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Paulo Galvão Júnior é economista, escritor, palestrante e professor de Economia e de Economia Brasileira no Uniesp

A terceira cidade mais antiga da Paraíba

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publicado em 19/05/2022 às 07h00
atualizado em 18/05/2022 às 17h50

Pilar é a terceira cidade mais antiga da Paraíba, com 263 anos, atrás apenas de João Pessoa (436 anos) e de Mamanguape e foi fundada em 14 de setembro de 1758, sendo mundialmente conhecida por ser a terra natal do escritor paraibano José Lins do Rego.

Pilar encontra-se a 55 km de João Pessoa, tem uma população de mais de 12 mil habitantes, uma área territorial de apenas 102 quilômetros quadrados, um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 43,8 milhões e uma taxa de mortalidade infantil de 10,15 óbitos por mil nascidos vivos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em Pilar, o Índice de Gini alcançou 0,4997, 28,68% das crianças eram extremamente pobres e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) foi de 0,579 em 2010. No turístico munícipio de Pilar, às margens do Rio Paraíba, vindo do munícipio vizinho de Itabaiana, terra natal de Sivuca (1930-2006), nós podemos visitar o Alto da Imaculada Conceição de Maria, um cruzeiro cristão e muito visitado por devotos católicos e por turistas nacionais e internacionais. Após o Alto, é possível encontrar as pontes sobre a linha férrea e o Rio Paraíba, e na entrada da histórica cidade de Pilar já visualizamos a Fundação Menino de Engenho, a antiga Casa de Câmara e Cadeia, da Vila do Pilar, que foi visitada pelo então Imperador Dom Pedro II e sua comitiva de 200 pessoas em 24 de dezembro de 1859.

Depois podemos encontrar a antiga Praça João Pessoa (reinaugurada Praça José Lins do Rego), onde se concentra o coreto azul e o busto do romancista pilarense José Lins do Rego. Mais alguns metros podemos visualizar o Mercado Público de Pilar e indo mais à frente na Avenida José Lins do Rego, podemos visitar a bela Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, cuja imagem de Nuestra Señora del Pilar, veio direto de Zaragoza, na Espanha, e bem à frente podemos desfrutar de uma florida praça, no Centro da cidade, e rodeada de dez e lindas árvores e no local se encontra o Grupo Escolar Doutor José Maria.

Da Praça João José Maroja, a maior praça da cidade, podemos na mesma avenida, indo sempre em frente até chegar no famoso Engenho Corredor, na zona rural de Pilar, local onde nasceu o escritor brasileiro José Lins do Rego Cavalcanti, em 3 de junho de 1901, sendo filho único de João do Rego Cavalcanti e de Amélia Lins Cavalcanti.

José Lins do Rego escreveu 12 romances, sendo cinco livros considerados pelo próprio romancista do “Ciclo da cana-de-açúcar”: Menino de Engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), O moleque Ricardo (1935) e Usina (1936). Os cinco romances retratam a decadência dos engenhos de açúcar no Nordeste entre o final do século XIX e o início do século XX e são clássicos da literatura brasileira.

Em Maceió, capital de Alagoas, José Lins do Rego escreveu o seu primeiro livro, Menino de Engenho, que ganhou o Prêmio Fundação Graça Aranha, o segundo livro, Doidinho, além do terceiro livro, Banguê. Na capital alagoana ele conviveu com seleto grupo de escritores nordestinos como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Jorge de Lima.

Em Menino de Engenho, em 40 capítulos relativamente curtos, José Lins do Rego traz uma narrativa romanesca das aventuras de Carlinhos, um menino órfão no engenho Santa Rosa, um engenho de açúcar do avô materno, o Coronel José Paulino, em companhia do seu tio Juca e das suas tias Maria e Sinhazinha, além de primos e primas na casa-grande. O livro narra Carlinhos dos 4 até 12 anos nos banhos de rio e de chuva, nos canaviais, nos engenhos, nas senzalas, nos carros de boi, nos cajás e nas brincadeiras com os moleques da bagaceira como Ricardo e Zé Passarinho, além da sua primeira namorada, a prima Maria Clara. E o principal personagem desperta precocemente a sua sexualidade com a prostituta Zefa Cajá e com ela contraindo uma doença sexualmente transmissível (DST).

José Lins do Rego (2018, p. 25) escreveu, “Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu quarto, quando pela manhã me acordei com um enorme barulho na casa toda. Eram gritos e gente correndo para todos os cantos. (…) E, correndo para cima, vira o meu pai com o revólver na mão e minha mãe ensanguentada”. O feminicídio é o primeiro tema das primeiras linhas do romancista nordestino.

José Lins do Rego (2018, p. 47), no Capítulo 13 escreveu, “O povo a gritar por todos os lados. E o barulho das águas que cresciam em ondas nos enchendo os ouvidos. Num instante não se via mais nem um banco de areia descoberto. Tudo estava inundado. E as águas subiam pelas barreiras. Começavam então a descer grandes tábuas de espumas, árvores inteiras arrancadas pela raiz”. As enchentes, secas e tempestades inspiraram também outros escritores brasileiros como Graciliano Ramos em Vidas Secas (1938) e escritores estrangeiros como William Shakespeare em A Tempestade (1611).

Lins do Rego (2018, p. 141) revela no último capítulo do seu primeiro livro, “Quando saí de casa, o velho José Paulino me disse: – Não vá perder o seu tempo. Estude, que não se arrepende”. Com seu tio Juca, Carlinhos viajou de trem da estação ferroviária de Pilar para a de Itabaiana para iniciar os seus estudos no internato.

 

Doidinho com 36 capítulos é a continuação de Menino de Engenho e Carlinhos agora é Carlos de Melo, ele entra na adolescência e estuda no Instituto Nossa Senhora do Carmo (INSC), em Itabaiana, sob o olhar de um diretor cruel, rígido e autoritário, o Seu Maciel. Logo, ele sente falta da antiga vida no engenho Santa Rosa, então, José Lins do Rego (2018, p. 100) escreveu no Capítulo 14: “Zé Augusto, sem querer, metera os dedos por dentro dessas chagas. Deixou-me sangrando. – O pai de Doidinho matou a mãe dele”.

Banguê é dividido em três partes, Carlos de Melo já adulto, após concluir seus estudos com 24 anos e formara-se em Direito, como era o sonho de seu avô materno, volta a viver no engenho Santa Rosa, onde encontra o velho José Paulino muito doente e o engenho em decadência, além de uma paixão inesperada por Maria Alice, esposa de um primo. O advogado Carlos de Melo, agora senhor de engenho, acompanha a transição dos engenhos para usinas na Zona da Mata nordestina e vende o engenho herdado do querido avô, já falecido, para o seu tio Juca.

No Rio de Janeiro, então capital da República dos Estados Unidos do Brasil, José Lins do Rego escreveu O moleque Ricardo (1935) e Usina (1936), além de outros romances. Com Usina encerrava os romances do “Ciclo da cana-de-açúcar”, ledo engano, porque sete anos depois escreveria a sua obra-prima em 1943, Fogo Morto. Mas, antes de Fogo Morto, o décimo romance, ele escreveu Pureza (1937), Pedra Bonita (1938), romance que dá início ao “Ciclo do cangaço, misticismo e seca”, Riacho Doce (1939) e Água-mãe (1941).

Em O moleque Ricardo, o escritor nordestino retrata o cotidiano de um garoto negro, pobre e morador do engenho Santa Rosa que migra aos 16 anos de idade para Recife, para trabalhar como operário numa padaria de um casal de portugueses. O livro tem quatro capítulos, os dois primeiros capítulos retratam Ricardo em Pilar e os últimos dois capítulos na capital pernambucana, sobretudo, nos mangues, nos bondes e nas greves.

Em Usina, com três partes, o jovem Ricardo após cumprir pena na ilha de Fernando de Noronha, retorna ao engenho Santa Rosa completamente transformado após anos na prisão. E o autor explora a questão social, econômica e tecnológica com o surgimento da usina de açúcar, a Usina Bom Jesus, e retrata o abandono do engenho, o fogo morto.

A obra-prima do pilarense José Lins do Rego é dividida em 3 partes, cada uma delas dedicada a um personagem masculino. A primeira parte de Fogo Morto, com oito capítulos, narra as aflições de José Amaro, mestre seleiro que habita com a esposa Sinhá e a filha Marta que acaba enlouquecendo, nas terras de Lula de Holanda, protagonista da segunda parte da obra. Nos seis capítulos seguintes, o Coronel Lula revela muito orgulho da esposa Amélia, muito ciúme da filha Neném e ser um senhor de engenho autoritário, prepotente e incapaz na administração do engenho Santa Fé, principalmente, antes da abolição da escravatura em 13 de maio de 1888, a famosa Leia Áurea, pela Princesa Isabel. A terceira e última parte tem seis capítulos da trajetória do Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, um personagem engraçado, apelidado de “Papa-Rabo”, sempre perambulando com a burra de engenho em engenho e sempre lutando contra os abusos e as injustiças sociais à sua volta e que até hoje penduram na Paraíba e no Brasil.

Depois de Fogo Morto, Zé Lins escreveu Eurídice (1947) e Cangaceiros (1953), último romance do fim do “Ciclo do cangaço, misticismo e seca”. E, posteriormente, escreveu o seu livro de memórias, Meus Verdes Anos, em 1956. No ano seguinte, em 1957, no Rio de Janeiro, em 12 de setembro, o escritor José Lins do Rego morreu aos 56 anos de idade, vítima de um problema hepático, deixando a bela esposa Naná e as três lindas filhas Maria Elizabeth, Maria da Glória e Maria Cristina e os seus grandes amigos como o editor José Olympio e o poeta Thiago de Mello.

Entre os seus belos romances, um se destaca pela forte divulgação na TV e no cinema na década de 90, Riacho Doce. A minissérie brasileira Riacho Doce da TV Globo, em 1990, foi uma adaptação do romance homônimo de José Lins do Rego. É impossível não se emocionar com as cenas do principal casal de personagens, Nô (Carlos Alberto Riccelli) e Eduarda (Vera Fischer) tão apaixonados na linda ilha de Fernando de Noronha. Em 1998, surgiu um filme brasileiro-estadunidense Bela Donna, o pescador Nô (Eduardo Moscovis) e Donna (atriz canadense Natasha Henstridge), na linda praia do Rio Grande do Norte. E no oitavo romance, ele conta em três partes a história de amor entre uma bela e loira sueca Edna, de olhos azuis, e um pescador nordestino Nô, de olhos castanho-escuros e cabelos pretos e anelados, numa fictícia vila de pescadores de Alagoas.

O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre foi grande amigo e dialogou sobre os rumos do Brasil com dois grandes paraibanos, o romancista José Lins do Rego e, posteriormente, com o economista Celso Furtado, em Recife. O maior economista brasileiro de todos os tempos, antes de escrever a sua obra-prima Formação Econômica do Brasil, leu os romances do “Ciclo da cana-de-açúcar” de um dos maiores romancistas brasileiros.

O imortal José Lins do Rego é patrono da cadeira 39 da Academia Paraibana de Letras (APL) e foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) para a cadeira 25 em 15 de setembro de 1955 e tomou posse em 15 de dezembro de 1956. Vivendo no Rio de Janeiro participou ativamente dos jogos de futebol e era um apaixonado pelo Flamengo e por mais de uma década foi cronista esportivo, escrevendo 1.571 crônicas esportivas em 12 anos. No Espaço Cultural José Lins do Rego, na capital paraibana, em 19 de março de 1985, foi inaugurado o Museu José Lins do Rego, a partir de doações da família, o público pode ter contato próximo com obras, fotografias, telas e objetos pessoais de Zé Lins.

Finalizando, é preciso conhecer a 3ª cidade mais antiga da Paraíba, antiga aldeia dos índios Cariris, e cidade natal da minha querida mãe Maria Verônica Paiva da Silva, a pilarense que todo dia me ensina a importância de amar e ser amado. É fundamental ler, reler e ler de novo os romances de José Lins do Rego, que já foram traduzidos para inglês, alemão, francês, russo, espanhol, italiano, romeno, sul-coreano e japonês. E sobretudo, é primordial construir na cinematográfica Pilar um moderno, grande e público Hospital Nossa Senhora do Pilar (HNSP) e uma moderna, grande e pública Biblioteca José Lins do Rego (BJLR), assim podemos promover mais qualidade de vida aos pilarenses e as crianças aprenderão desde cedo, que um menino de engenho com muito estudo tornou-se um advogado e um renomado escritor.

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