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O jogo de espelhos

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publicado em 25/04/2022 às 07h00
atualizado em 25/04/2022 às 11h22

Por mais escolhas firmes que fizermos durante a nossa vida, haverá sempre espaço para enganos, espertezas, crueldades também. Porém, as vidas que se entrecruzam, que se entrelaçam ou simplesmente passam, mesmo que tangenciando as nossas, formam no mundo um imenso jogo de espelhos de infinitas possibilidades, mesmo que de gestos refletidos e repetidos.


Imagine-se num quarto em que há espelhos nas quatro paredes, talvez até no teto e no chão… Vertigem? A vida é vertiginosa, a não ser para os medíocres e acomodados, os acometidos pelo tédio. Deixemos estes de lado, por ora… ou melhor, para sempre.

Bom, eu dizia que a vida é vertiginosa, é só parar um segundo para pensar. Mas voltando ao quarto espelhado… Imagine-se neste quarto fechado. Repare que cada gesto que tu faças, por menor que seja, um leve suspirar, movimentará milhares de outros seres iguais a tu. Qual deles és tu verdadeiramente? Todos ou nenhum? Será que é só este em que tu tocas, sentes?

Ali dentro, tu mesma verás, todos se tocarão, se sentirão, da mesma forma que ti, porém cada um a seu modo. Tu, que és a mola mestra desta engrenagem, só pode sentir por si, jamais por cada um dos milhares que estão refletidos e repetindo teus gestos. Quem tem o comando és tu, mas por outro lado não conseguirás jamais fazer com que uns gesticulem de um modo e outros, de outro.


Chego com essa alegoria a outros dois vizinhos rivais: prisão e liberdade. Fascinante viagem, não é? Quase psicodélica. E não usei droga alguma, não faz parte das minhas escolhas. Creio que finalmente consegui recuperar um pouco da minha fértil imaginação infantil. Aquela que achei por anos estar na poeira dos ventos, bailando por aí, sem rumo, errante…


É, e muito melhor, com a idade que tenho agora, muito provavelmente no meio da minha vida, no centro de tudo o que vivenciei e vivenciarei: o marco divisor de uma vida, o zero absoluto, o cume da montanha. Para subir fui lentamente escalando cada metro. Agora a descida será mais rápida, mas creio estar preparado. Antes pensava que me jogaria quando aqui chegasse. Desejo juvenil de resolver tudo de uma vez. Mas farei da descida uma subida de cabeça pra baixo. Hahaha…


Não, não viverei plantando bananeira, de ponta à cabeça como chamam os paulistas. Quero apenas descer observando a paisagem, cada detalhe, cada pássaro, cada árvore, cada vão rasgado no ar. Se na subida evitei olhar para baixo e me preocupei mais em perceber onde segurava, se mais vi a pedra e o caminho do que o que havia à volta, agora desço de frente para o vão da vida sentindo o vento e o sol no peito e na cara. Afinal, é preciso um grand finale. Quem sabe não crio asas para flanar e só voltar ao ponto dessa escalada final quando me cansar?


Vou contar um segredo. Na subida fiz isso algumas vezes, mas fui tolo, inexperiente. Por medo, muitas vezes voltei à segurança antes do tempo. Por deslumbramento, por vezes fiquei tempo demais no ar e quase me esborrachei lá embaixo. Agora, como fruto desses erros, como sobrevivi, mais escaldado estou para enfrentar a água fria. Não, não sou mais o gato assustado de outrora, o medo cessou. Quem sabe quando estiver no fim da linha ele não retorne? Porém, também não me enganarei tão facilmente. Cometerei, sim, erros; porém novos. Novos erros, eis o que aguardo.

Só espero me construir de tal forma que o medo, se vier, não me venha em forma de desespero. É preciso elegância até para chegar ao fim da linha. Quero que venha sereno e leve numa brisa para onde finalmente preciso chegar. E que dessa brisa se faça ventania, bons ventos que uivem incessantemente como o lobo que ficou no topo da montanha avistando a lua desta longa e luminosa noite.

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