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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Outro homem que ama os cachorros

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publicado em 23/11/2021 às 07h46
atualizado em 23/11/2021 às 05h25

Hoje em dia estou reduzido às poucas coisas da vida, mas sou atrevido.

Voltava de uma pedalada na praia, sábado passado, no final da tarde, aliás já eram seis horas e vinte minutos. Nunca tinha demorado tanto.

Resolvi descer na bicicleta e voltar empurrando-a. De repente  vejo um homem bonito, elegante, de cabelos brancos, de máscara, caminhando em passos lentos, carregando nos braços um cão da raça chihuahua, enrolado numa fralda branca, tão pequeno que parecia um feto, tamanho afeto do dono. Ou tudo que esse homem poderia ser.

Ele que disse que a raça é mexicana, e que são os mais pequenos que existem – “é a menor raça do mundo, mas são bem animados. Eles surpreendem com a sua energia e vontade de brincar”. Isso dele dizer brincar, me fez lembrar o que torna os animais figuras ideais para cada família.

Ele falava comigo com um medo enorme, eu vi o grande espanto no seu rosto.

Disse que era mineiro, mas esqueci seu nome. Eu cuidei logo de mostrar que eu não tinha armas, somente o celular, quase fico nu para ele entender que eu não era um bandido. Ele disse que sua mulher o recomenda todos os dias – “não converse com estranhos”.

Saímos conversando e fui conquistando a confiança desse homem. Quase que conto minha vida toda, mas é tão banal. E nem parecíamos dois homens apaixonados. Ele não olhava para mim, mas para o meu jeito de falar.

A lua iluminava nossa conversa. Descemos a Avenida Cairu, antes atravessamos o sinal, que nos levou para a calçada da Loja Primavera. Lembrei da canção “Valsinha” de Vinícius e Chico Buarque. Aquele homem poderia ser meu pai.

Algumas imagens se passaram pela minha cabeça, estar ali conversando com um homem que eu nunca tinha visto, tão generoso. Pedi para fotografar seu cachorro (foto) e ele deixou.

Algo explodia no meu coração, o fato de estar ganhando a confiança de um cidadão que mora no mesmo bairro que eu, que em determinado momento parecia mais identificado na cena pelos seus dentes e até riu quando eu disse que gostava muito da música de Cole Porter.

Palavras que se sustentam, palavras que não metem medo, palavras que crescem, se esticam, escavam e brilham. Eu fiquei tão feliz quando ele disse – “foi bom lhe conhecido – vou entrar aqui nessa rua”, que dava para ver minha casa.

A viagem começa no idioma, na minha cabeça, a palavra que não se cala.

Olá, como vai?

Kapetadas

1 – O bom de amadurecer é não se deixar legitimar pelo olhar alheio.

2 – Quanticamente falando a lembrança é realidade sim.

3 – Som na Caixa – “Meu cachorro veludo e umas jaboticabas”, Rosinha de Valença

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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