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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Campina Grande

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publicado em 17/11/2021 às 07h15

 

Campina Grande é também minha terra natal. Divide, com Aroeiras, minha querida Comarca das Pedras, e com João Pessoa, eterna Philipeia de Nossa Senhora das Neves, os signos ardentes de um matrimônio telúrico que nunca se acaba. Ao contrário: sempre se renova e se revigora, ao passar dos dias, ao passar dos anos.

Certos lugares, certas paisagens, certos becos, certos bares, certos logradouros e certos “não lugares” habitam meu coração, e nem o comboio do tempo, com seus horários fixos e interrogáveis, consegue apagá-los na tela acesa da memória que ilumina os aceiros da saudade.

Anos 60, Colégio estadual da Prata, alunos de farda cáqui, listinha verde, em fila, para a disciplina das primeiras aulas. Época dos incipientes tremores amorosos e políticos misturados aos gritos de gol no estádio Jalisco (México). Brasil tricampeão, Brasil alegre e torturado… Descobria a filosofia e as baladas de uma Valquíria que se transmudou em Áster para além dos céus do Serrotão!

Por falar em Serrotão, segundo o poeta de Barcelona e Borborema, é lá aonde se acaba toda viagem do mundo. Curiosa a pertinência deste verso: a força geográfica da cidade se associa ao imperativo do tempo e do movimento, sinalizando para a topografia central da Serra, burgo de tropeiros, planalto neblinado, sobretudo quando se vem do Sertão em mês de Santana, com as luzes e as fogueiras se confundindo na cama espessa da noite. Campina, aconchego, encontro, desencontros, na Unidade Moreninha.

Nas manhãs de quarta-feira, na Feira de Troca, o comércio de passarinhos, mistura de naturalismo e realismo mágico a estimular o caráter pragmático da vida ao rés do chão, mas, ao mesmo tempo, estrumando a lavoura da poesia que se cristaliza no voo, nas cores e na plumagem desses bichinhos divinos.

À noite, sessão especial no Cine Avenida. Seria um faroeste ou um policial? Não importa. A imagem em movimento já começava a definir um gosto, a esboçar um temperamento, a elastecer a percepção de mundo e escancarar as comportas da vida.

No centro: primeiro, a sorveteria Flórida e seus pingados intermináveis; depois, uma vez e outra, visita sagrada à Livraria Pedrosa, donde germinou o périplo de aventuras pelo mar de histórias, assim como os exercícios inaugurais do leitor inveterado, isto é, aquele que se iniciara trocando gibis nas matinês do Cine São José.

Bairro da Liberdade, Beco Trinta e Um, Açude Velho, Bodocongó, Palmeira, Jeremias, Moita, Cruzeiro, toda uma toponímia mágica ainda ressoa na clareira da memória, integrando o habitus do homem que amadurece. Amadurece cultivando o chão simbólico de suas cidades. E Campina é uma delas, principalmente pelo patrimônio intangível que a alma retém e que o coração preserva, embora sabendo que tudo passa, que tudo finda.

Tudo finda?

Não é bem assim que pensa o poeta. Pois se “As coisas tangíveis ∕ tornam-se insensíveis ∕ à palma da mão  ∕∕ As coisas findas ∕ muito mais que lindas ∕ essas ficarão”.

Foto – Jorge Barbosa

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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