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após 23 anos presos

“Minha arte era matar”, revela o braço direito de Pablo Escobar

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publicado em 01/03/2015 às 11h07

O aniversário de 20 anos da morte do traficante colombiano Pablo Escobar, um dos criminosos mais conhecidos do mundo, há pouco mais de um ano, desencadeou diversos lançamentos de livros, séries e filmes sobre sua história. Para os colombianos, que assistiram durante os anos 80, sem poder reagir, ao assassinato de candidatos à presidência, ao governo de províncias, policiais e milhares de outros civis, foi como se exumassem um passado que a maioria tenta, mas não consegue, esquecer. O golpe mais duro, no entanto, veio da própria Justiça da Colômbia pouco tempo depois. No fim de agosto passado, o braço direito de Escobar no cartel de Medellín, John Jairo Velásquez Vásquez, mais conhecido como Popeye, foi libertado após cumprir 23 anos de pena. Popeye era o responsável pelos capangas do cartel. Por isso, em suma, os principais crimes cometidos por Escobar e seu bando tiveram a sua participação decisiva. Promotores, policiais e juízes vasculharam os céus e a Terra em busca de algum processo pendente que pudesse mantê-lo atrás das grades. Não acharam nada. No dia 26 de agosto, o alvará de soltura foi assinado. Popeye voltava às ruas.
Nos últimos cinco anos tive dois encontros com Popeye. Ele sempre se mostrou frio em suas entrevistas, mesmo quando tentava se apresentar reabilitado para viver em sociedade. Antes de ser libertado, lembrou o passado sangrento e revelou alguns de seus planos. “Meu talento era matar, essa era minha arte”, afirmou. Foi isso o que Popeye me disse naquela manhã de agosto em Cómbita, a gélida prisão para onde ele fora mandado a fim de expiar sua culpa, um ano antes de ser libertado. O olhar, seco e observador, e o desembaraço com o qual ele falou sobre os cerca de 3 mil crimes que cometeu me causaram um sobressalto. “Mas já me aposentei”, prosseguiu ele, como se tivesse percebido o efeito produzido por suas palavras. Em seguida, deixou-se levar pelas memórias. Contou como ceifou, pessoalmente, a vida de mais de 250 pessoas, incluindo policiais e personalidades da vida pública; como sequestrou o então ex-prefeito de Bogotá, e mais tarde ex-presidente da Colômbia, Andrés Pastrana Arango; e como liderou um complô criminoso que pôs fim à vida de Carlos Mauro Hoyos, procurador-geral da República que jamais cedeu à máfia.

De acordo com as autoridades penitenciárias, Popeye, de 52 anos, deixou a cela escoltado por 15 homens fortemente armados. Relatos oficiais dão conta de que ele foi levado a um ponto ao norte de Bogotá, e de lá para um local secreto. É possível que Popeye tenha viajado para a Costa Rica: quando ainda estava na prisão, ele havia dito que gostaria de ir para lá depois de cumprir a pena. Certamente ele já degustou o prosaico e almejado sorvete que desejava tomar quando ganhasse a liberdade.

Vásquez pode também ter ido para os Estados Unidos, embora essa alternativa seja menos provável. Segundo ele, lá vivem seu único filho e a mãe do garoto, uma ex-miss da cidade de Medellín. Talvez Popeye tenha saído em busca de seu grande segredo. Habituado a não esconder nada, ele me disse, numa entrevista realizada há cinco anos, que seu tesouro mais bem guardado era um pequeno barco com armas que pertenceram ao chefe (el Patrón) Pablo Escobar. Muita gente já saiu em busca desse butim, mas ninguém conseguiu encontrá-lo. Também não se sabe se o matador foi atrás dos políticos que, diz ele, o protegiam. E tampouco está claro se Popeye foi recolher um dinheiro que dizia ter guardado. “Tenho minhas reservas, tenho como viver”, afirmava então.

Reza a lenda que esse homem, que tinha Pablo Escobar como uma espécie de Deus único, recebeu milhões de pesos como pagamento pelos assassinatos mais dolorosos da história da Colômbia. Em 1988, ele manteve Andrés Pastrana, então prefeito de Bogotá, sequestrado por uma semana. Segundo o próprio Popeye, o pagamento pelo serviço foi de US$ 500 mil. Uma fortuna na época. Já pela morte do procurador-geral Carlos Mauro Hoyos – um homem correto, que lutava contra o tráfico e foi assassinado em 25 de janeiro de 1988 –, cobrou uma tarifa de US$ 200 mil. Popeye também garantia ter recebido US$ 100 mil da organização de Pablo Escobar como recompensa pelo assassinato do político liberal Luis Carlos Galán, no dia 18 de agosto de 1989. Por outras mortes, como a do renomado jornalista Jorge Enrique Pulido, ganhou outro tanto.

O mais provável é que Vásquez não sinta qualquer remorso por esses crimes. Eles ocorreram num período de guerra aberta contra o Estado colombiano, durante o qual os matadores seguiam à risca as orientações do chefe. Sem hesitar, Escobar mandava assassinar qualquer pessoa que tentasse atravessar seu caminho – ou que tomasse qualquer iniciativa política ou jurídica para extraditar os capos do narcotráfico para os Estados Unidos. Este era, possivelmente, o único medo de Escobar: parar numa cadeia americana. “Preferimos um túmulo na Colômbia a uma cela nos Estados Unidos”, diziam ele e seus comparsas.

Popeye fazia o que fosse preciso para cumprir as ordens de Escobar. Nenhuma morte, porém, foi tão dolorosa quanto a de Wendy Chavarriaga Gil, que Escobar mandou assassinar. Modelo deslumbrante, Wendy foi amante de Escobar por um período, e acabou ficando grávida. Fiel a seu princípio de jamais ter filhos fora do casamento, o chefe do narcotráfico não tolerou a notícia. Popeye conta o seguinte: Escobar, que mantinha um zoológico em sua fazenda, pediu ao veterinário responsável pelos animais que realizasse um aborto em Wendy.

Depois desse episódio, e já afastada de Escobar, Wendy se apaixonou por Popeye, com quem começou um relacionamento. “Eu a amava profundamente”, conta. Difícil acreditar nessas palavras saídas da boca de um matador. Tempos mais tarde, Vásquez e Escobar descobriram que a mulher, como vingança pelo aborto que não queria ter feito, tinha virado informante do chamado “bloco de busca” – grupo criado em 1992 pelo então presidente da Colômbia, César Gaviria, com o objetivo de capturar Pablo Escobar vivo ou morto. No dia 22 de julho daquele mesmo ano, o chefe do narcotráfico havia fugido da penitenciária La Catedral, em Envigado, no departamento de Antioquia (onde fica também a cidade de Medellín). A ação fora realizada ao lado de Popeye e outros guarda-costas. No ano seguinte, em 2 de dezembro de 1993, o “bloco de busca” finalmente foi responsável pela morte de Pablo Escobar, encurralado pelas autoridades numa casa em Medellín.

Quando soube que Wendy estava envolvida com o bloco, o capo encarregou Popeye de sua mais difícil tarefa: assassinar a modelo. Mas o matador dos matadores, o assassino mais temido da Colômbia, não conseguiu cumprir a ordem com as próprias mãos. Popeye mandou cinco homens para matar Wendy. Marcou um encontro com ela num café e ficou observando de longe, enquanto a moça falava no telefone. Os matadores se aproximaram e deram-lhe um tiro na testa. O episódio confirmou a lealdade de Popeye ao chefe – lealdade que o fez recusar duas recompensas para entregar a cabeça de Escobar. A primeira, no valor de US$ 10 milhões, foi oferecida pelos inimigos do cartel de Cali; e a segunda, vinda da embaixada dos Estados Unidos na Colômbia, era de US$ 15 milhões. Popeye jamais traiu o patrão. “Fui fiel a ele”, afirma. A lealdade só foi rompida meses antes de Escobar ser assassinado no telhado da casa em Medellín. Durante uma das duas entrevistas que fiz com Vásquez, ele lembrava o momento em que se separou do chefe. Disse que havia se apaixonado por Ángela María, mãe de seu filho, e que a paixão lhe obrigara a abandonar a família que tinha até então: o cartel de Medellín. A  separação também foi resultado da conclusão de que, àquela altura, a facção criminosa não tinha mais forças para lutar contra o governo, cujo cerco se apertava a cada dia.

“Pablo e eu estávamos em um pequeno barco. Um dia saí para buscar a correspondência e encontrei um celular, do modelo que existia na época. Pressenti que seríamos localizados pelo sinal do telefone. O patrão percebeu minha tensão, me repreendeu e até me estapeou. Eu disse que estava assustado, e ele respondeu que, nesse caso, era melhor eu ir embora. Pedi um tempo para pensar, até umas 4 da tarde. Quando voltei, Pablo se desculpou por ter me agredido. Eu disse que tinha decidido me entregar. Antes que eu fosse embora, ele alertou: ‘É mais fácil te matarem na cadeia do que aqui comigo’.”

Quem acabou morto foi Pablo Escobar, e Popeye sobreviveu. Depois que se entregou ao governo, passou a peregrinar por várias prisões do país. Esteve em Bellavista e Itagüí, em Antioquia; em La Modelo e La Picota, em Bogotá; e passou pela penitenciária de segurança máxima de Valledupar, no nordeste da Colômbia. Ao longo dos últimos 12 anos, foi praticamente o único prisioneiro em uma ala de 12 celas conhecidas como “recepções”, no presídio de Cómbita. As celas são assim chamadas porque ali os chefes do narcotráfico eram recebidos, enquanto esperavam que o governo autorizasse sua extradição para os Estados Unidos.

Durante o processo de ressocialização, Popeye fazia cursos e assistia a DVDs na pequena televisão localizada num canto do pátio gelado. Ele também lia as revistas que recebia de eventuais visitas e jogava xadrez. Quase não tinha contato com o mundo exterior. Estava só, e um carcereiro vigiava seus movimentos dia e noite. Vásquez estava sob a proteção do governo, e por isso não era conveniente que ficasse próximo de outros internos. Sua única companhia eram celas vazias. Ele era a “joia da coroa” da penitenciária.

Popeye ganhou esse apelido porque havia tentado entrar para a Marinha colombiana quando jovem, e também pelo prognatismo que lhe deu um queixo no melhor estilo do marinheiro dos desenhos animados. Enquanto esteve na prisão, escreveu um livro com a jornalista Astrid Legarda e recebeu jornalistas de todo o mundo, para quem narrava suas aventuras. Todo registro da vida de Escobar faz menção a ele. Com o cineasta brasileiro José Padilha, que está produzindo uma série sobre a vida de Escobar especialmente para o Netflix, não deverá ser diferente. A previsão de estreia é até o fim do primeiro semestre deste ano.

O matador também recebeu diplomas por ter concluído cursos à distância e aprendeu a falar de um jeito diferente, distante do vocabulário chulo das ruas que até então era sua marca – e que, talvez, lhe conferisse certo poder. Quando estava na ativa, sua palavra preferida era “gonorreia”. Em algumas regiões da Colômbia, o nome dessa doença sexualmente transmissível é também uma expressão usada para desqualificar alguém da pior forma possível. “Controlei meu jeito de falar. Um padre veio aqui à cadeia e sugeriu que eu anotasse a quantidade de palavrões que eu dizia. Percebi como meu jeito era vulgar, e fiquei com vergonha de mim mesmo.”

Em alta velocidade, ele narrava sua missão de matar policiais durante a guerra entre seu chefe e as autoridades colombianas. Popeye contava que a cabeça das vítimas era colocada a prêmio, e os valores variavam de acordo com a posição na hierarquia da corporação. “O Patrão determinou uma recompensa de 2 milhões de pesos (US$ 1 mil na época) para quem matasse um policial comum, 3 milhões de pesos para um cabo de patente superior, 5 milhões para um sargento, 10 milhões para um tenente, 20 milhões para um capitão, 30 milhões para um major, 50 milhões para um coronel e 100 milhões para quem assassinasse um general. Nesses confrontos, matamos 540 policiais, porque havia também os carros-bomba. Foram 800 feridos, e do nosso lado perdemos uns 500 homens. Eu mesmo matei umas 250 pessoas com as próprias mãos”, dizia.

Segundo Popeye, 1989 foi o período mais difícil para o cartel de Medellín. Naquele ano, a máfia de Escobar colocou uma bomba numa aeronave da Avianca onde supostamente estaria o então candidato à presidência César Gaviria. Gaviria havia assumido a candidatura em substituição a Luis Carlos Galán, morto a mando de Escobar, e prometia combater o narcotráfico. Na segunda-feira, 27 de novembro de 1989, o Boeing 727-21 explodiu sobre o município de Soacha, no departamento de Cundinamarca, deixando o trágico saldo de 110 mortos.

Olhando nos olhos do interlocutor, o matador relatava também o episódio da bomba colocada pelo cartel no edifício da Secretaria Administrativa de Segurança (a polícia secreta colombiana, órgão posteriormente extinto). No dia 6 de dezembro de 1989, uma carga de 500 quilos de explosivos destruiu o prédio e outras construções ao redor, com o objetivo de assassinar o então diretor da Secretaria, general Miguel Alfredo Maza Márquez – que escapou ileso do atentado. Mais de 60 pessoas morreram na explosão, e dezenas ficaram feridas. Nesse caso, a grande ironia é que o general está preso atualmente, pela suspeita de ter ajudado o cartel de Escobar a matar Luis Carlos Galán.

Popeye não se lembrava apenas das histórias que marcaram a vida do país. Ele contava casos de assassinatos que receberam menos publicidade. Naquele tempo ele conquistava mulheres com uma dúzia de rosas amarelas, uma caixa de bombons importados, uma garrafa de champanhe Dom Pérignon, um relógio Cartier – e, às vezes, um carro de luxo. Certa vez, Vásquez quis levar uma dessas moças a uma boate em Medellín. Foi barrado na porta, e não hesitou em sacar a arma, matar o porteiro e “levantar acampamento a tiros”.

Em sua cela, decorada com frases alusivas à Virgem Maria e a Deus, ele prosseguia com seus relatos. Contou como conheceu Pablo Escobar: “Um amigo engenheiro me pediu que o acompanhasse até uma propriedade onde tinha um trabalho. Fomos até a Hacienda Nápoles (centro de operações de Escobar, na região colombiana do Magdalena médio, onde o capo tinha até um zoológico). Chegando lá eu vi armas, belas mulheres e animais exóticos”. Popeye se sentiu em casa. “Vi aquele senhor (Escobar) e, sinceramente, vi Deus. A partir daquele momento fiz tudo o que estava ao meu alcance para ficar perto dele. Primeiro fui motorista da organização, depois entrei para o grupo de matadores do cartel de Medellín.” Vásquez cresceu e acabou sendo nomeado chefe dos assassinos da organização .

Quando Popeye soube da morte de Escobar, desmoronou: até então, achava que o chefe era imortal, e acreditava que ele mesmo, o matador dos matadores, era um homem forte. Pablo estava morto, mas o líder de seus matadores sobreviveu às mais severas condições carcerárias e ajudou a Justiça a esclarecer grandes crimes da história da Colômbia. Agora, em seu esconderijo (onde quer que seja), Popeye deve estar tentando entender que o mundo mudou – e que ele já não é, como um dia foi, o matador mais temido da Colômbia. Será sua segunda – ou terceira, ou quarta – chance de recomeçar a vida.

Globo

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