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Justiça Federal analisará decisão sobre Instituto

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publicado em 27/06/2018 às 17h37
atualizado em 28/06/2018 às 07h01

Em decisão terminativa, o Tribunal de Justiça da Paraíba acolheu a alegação de incompetência absoluta do juízo, feita pelo Ministério Público Federal (MPF), e determinou a remessa dos autos principais de processo que envolve o descredenciamento do Instituto de Psiquiatria da Paraíba (IPP) à Justiça Federal. A decisão foi da desembargadora Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti, ao julgar recurso do MPF, na Ação nº 0803132-14.2018.8.15.0000, movida pelo Instituto Psiquiátrico, na 6ª Vara da Fazenda Pública da Justiça Estadual.

No recurso (um agravo de instrumento), o MPF reiterou que o ato administrativo que indicou o descredenciamento do Instituto de Psiquiatria da Paraíba do Sistema Único de Saúde decorreu de processo de avaliação coordenado pelo Ministério da Saúde, sendo, portanto, ato de órgão da União, razão pela qual, conforme o artigo 109, I, da Constituição Federal, não cabe competência à justiça comum para julgamento do caso.

Inicialmente, o juiz da 6ª Vara que tinha recebido a ação do IPP, havia deferido medida liminar parcial apenas para garantir o custeio da permanência dos pacientes que ainda se encontram internados no Instituto, o que já estava ocorrendo regularmente, considerando que o município de João Pessoa está realizando a desinternação gradual de todos os pacientes. O Instituto Psiquiátrico havia requerido ordem judicial para que novos pacientes fosse encaminhados àquela instituição. No entanto, esse pedido não foi deferido.

O MPF alertou que em nenhum momento a prefeitura deixaria de custear a situação dos referidos pacientes, nem tampouco, iria deixá-los sem nenhum atendimento, mas buscaria os encaminhamentos cabíveis dentro da rede psicossocial de atendimento, para que os pacientes tivessem atendimento condigno, e não nas condições precárias e insalubres em que estavam sobrevivendo. De toda forma, com a decisão do TJPB, a decisão do magistrado de primeira instância ficou sem efeito.

A decisão do Tribunal é a segunda da Justiça Estadual que determina o envio do caso para a Justiça Federal. Em decisão anterior, por ocasião do julgamento da Ação Civil Pública (65) 0819321-78.2018.8.15.2001, ajuizada pelo Ministério Público Estadual, o juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital, já havia deliberado no sentido de que, apesar de o ato de descredenciamento do IPP ter sido praticado pelo secretário de Saúde de João Pessoa, atendeu à recomendação do MPF, em conformidade com o que indicou o Ministério da Saúde, declarando-se assim incompetente para julgar ato do órgão federal.

Para interpor o agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça Estadual, o procurador regional dos direitos do cidadão substituto, José Guilherme Ferraz da Costa, atuou com designação especial, através de portaria expedida pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Sem higiene – Em 2017, em inspeção realizada in loco no Instituto Psiquiátrico, foram verificadas graves irregularidades caracterizadoras de violação a direitos fundamentais dos pacientes, registrados nos relatórios da inspeção. O relatório da Coordenadoria de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde da Paraíba apontou que a alimentação dos pacientes era “preparada em precárias condições de higiene; (…) talheres, pratos e vasilhas em péssimas condições de uso. Refeitório sem condições nenhumas de higiene para realizar qualquer tipo de alimentação, chão molhado repleto de sujidade, bem como mobiliário inadequado, sujo, comprometido”.

Odor fétido – Outro trecho do relatório da Coordenadoria de Saúde Mental apontou a “presença de goteiras e infiltrações por diversos cômodos da instituição. Os ambientes dos setores, quanto à limpeza, apresentavam sujidades, chão molhado, com odor fétido, sem nenhum critério de higiene, limpeza ou assepsia dos locais e utensílios, banheiros inacessíveis sem condições nenhuma de uso humano por falta de higiene e estrutura física. Sistema de água e esgoto a céu aberto por vários cômodos, inclusive área de lazer. Roupas de cama e banho estavam ausentes, na maioria dos leitos, bem como as roupas dos próprios pacientes e do ambiente hospitalar em péssima conservação, armazenadas em caixas”.

Maus tratos – Segundo o relatório elaborado pelo Conselho Regional de Psicologia, houve denúncias de maus tratos e tortura na ala feminina como forma de punição imposta pelos funcionários da instituição. “As internas relataram e apontaram hematomas provocados por queimadura de cigarro, indicando o local onde eram torturadas”, aponta trecho do relatório pelo CRP-13/PB.

“Coreia” – Durante audiência pública, realizada em 9 de maio de 2018, pela Câmara Municipal de João Pessoa, para discutir o descredenciamento do Instituto Psiquiátrico, ex-internos relataram experiências traumáticas vividas no IPP em depoimentos de forte teor. Um deles contou que, em um momento de surto, um técnico de enfermagem aplicou-lhe uma gravata e o arrastou até um local denominado “Coreia” – uma ala em que os pacientes com problemas psiquiátricos mais acentuados são mantidos em condições lamentáveis de degradação humana.

Outro ex-interno, que teve a palavra durante a audiência na Câmara Municipal, argumentou em defesa da luta antimanicomial. Ele lembrou que “o adoecimento mental é prisão, é solidão, é dependência, é ruptura de vínculos, é degeneração, é egoísmo, é medicalização, é a pessoa não conseguir mais nem mesmo abrir uma porta porque ela desaprende e tem alguém da instituição que vai abrir pra ela e depois vem a terapia ocupacional se engajar na residência terapêutica para conseguir modificar essa situação”.

“A rede pública psicossocial oferece diversas alternativas de tratamento para as pessoas em sofrimento psíquico, sendo que a internação deve ser reservada para os casos estritamente necessários, como determina a legislação de regência”, explica o procurador regional dos direitos do cidadão substituto, Guilherme Ferraz, ressaltando que a internação deve ser em estabelecimentos com condições mínimas de salubridade. “Dessa forma, o MPF orienta os familiares dos pacientes do IPP que busquem se informar melhor sobre essas possibilidades de atendimento adequado, uma vez que em nenhum momento a rede pública os deixará desassistidos”, recomenda Ferraz.

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