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O dilema de Alonso: permanecer ou não na Fórmula 1 em 2019

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publicado em 04/06/2018 às 13h42
atualizado em 04/06/2018 às 10h43

Fernando Alonso, com o protótipo Toyota TS050 Hybrid, foi o mais veloz nas duas sessões de treinos livres do Test Day, realizadas domingo no circuito de Le Mans, na França. Foi a última sessão antes da disputa da 86ª edição das tradicionais 24 Horas, programadas para os dias 16 e 17, segunda etapa do Campeonato Mundial de Provas de Longa Duração (WEC). Alonso venceu a prova de abertura, dia 5 de maio, em Spa-Francorchamps, na Bélgica, em parceria com Sebastien Buemi e Kazuki Nakajima.

Essa é uma reportagem de F1. E iniciamos com o WEC. Qual o sentido? Simples: mostrar Alonso lutando pelas primeiras colocações. Depois de quatro anos e meio na F1 investindo toda sua energia para apenas marcar pontos, na McLaren, o campeão do mundo de 2005 e 2006, com a Renault, está cansado.

Precisa urgentemente repor parte da inesgotável energia que continua dispendendo. Ela existe sob a forma de colocações no pódio, preferencialmente vitórias. E, na F1, ainda não são possíveis. Daí conciliar, quando possível, a F1 com o WEC, hoje fonte do seu alimento.

Isso tudo quer dizer uma coisa: não se surpreenda se no fim do ano Alonso anunciar que depois de 17 temporadas na F1 e prestes a completar nada menos de 37 anos de idade, dia 29 de julho, chegou a hora de dar adeus. A possibilidade é real. Já no GP de Mônaco, há pouco mais de uma semana, comentava-se no paddock haver indícios de tudo caminhar para esse fim. E seu destino seria até conhecido: Estados Unidos.

A McLaren trocou a pouco eficiente unidade motriz Honda pela mais confiável da Renault, este ano, e depois de seis etapas disputadas, em todo tipo de pista, Alonso já entendeu que o time inglês não tem o chassi que ele e os demais integrantes da escuderia imaginavam. Não raro, costumava comentar nas entrevistas no tempo da Honda:

– Se você analisar os nossos tempos verá que onde perdemos para os mais rápidos é nas retas, não nas curvas. Com mais potência estaríamos brigando lá na frente.

Pior do que o esperado

Os números da McLaren até agora este ano evidenciam outra realidade. Na abertura do Mundial, na Austrália, Alonso, 11º no grid, ficou a 1s813 de Max Verstappen, da RBR, quarto, com a mesma unidade motriz Renault, e a 2s528 de Lewis Hamilton, Mercedes, pole position. Na corrida, Alonso terminou em quinto, a 27s886 de Sebastian Vettel, Ferrari, o vencedor, e a 20s817 de Daniel Ricciardo, RBR, quarto.

Em um traçado mais rápido, como o da China, Alonso obteve o 13º tempo para o grid, 1s436 mais lento que Max, quinto, e 2s137 de Vettel, pole. Na corrida, Alonso foi sétimo, a 30s639 de Ricciardo, o vencedor. Na pista lenta de Mônaco, Alonso se classificou no sábado em sétimo, a 1s300 de Ricciardo, o pole position. No domingo, abandonou, com problemas na transmissão.

A ficha já caiu para o espanhol: o quarto lugar entre os construtores é o máximo possível para a McLaren, se conseguir vencer a Renault.

Hoje, a Renault está em quarto, com 46 pontos. A McLaren, em quinto, com 40. A líder é a Mercedes, com 178, seguida de Ferrari (156) e RBR (107). Apesar de dispor da mesma unidade motriz da RBR e da própria Renault, a McLaren está atrás das duas.

O que isso tudo significa na prática? Alonso só pode receber a bandeirada, em condições normais, tudo dando certo, na sétima colocação, atrás dos pilotos da Mercedes, Ferrari e RBR, times muito mais eficientes hoje do que a McLaren. Sem mencionar que ficar à frente de Nico Hulkenberg e Carlos Sainz Júnior, da Renault, exige luta também. E isso não satisfaz mais o espanhol.

Além de Alonso, os sócios majoritários da McLaren, a família real do Barein e o saudita Mansour Ojjeh, também viram que tinham de fazer algo para reestruturar o setor de projetos e demitiram o diretor técnico, Tim Goss, desde 1990 no grupo.

No Canadá, o 300º GP da carreira

Domingo, o asturiano celebra seu 300º GP na F1, no Canadá. Diferentemente de quando se apresenta para as provas do WEC, onde com Toyota é candidato a estabelecer a pole position e lutar pela vitória, como será nas 24 Horas de Le Mans, na F1, em Montreal, Alonso precisa torcer por uma corrida tumultuada, talvez com chuva, pois, do contrário, tem consciência de, necessariamente, enfrentar no mínimo seis pilotos com carros mais velozes.

A última vitória de Alonso na F1 foi no GP da Espanha de 2013, com Ferrari. A última pole, no GP da Alemanha de 2012, também com os italianos. Faz tempo.

O repórter do GloboEsporte.com estava na entrevista em que Alonso afirmou, no fim de 2014, com todas as letras, que “a única associação que poderia disputar e vencer a Mercedes era a McLaren-Honda”. Os japoneses iniciariam sua trajetória na era híbrida da F1 em 2015, com a McLaren. A ideia era reviver o notável período de sucesso de 1988 a 1992, quando conquistaram juntas quatro títulos de pilotos, três com Ayrton Senna e um com Alain Prost, e quatro de construtores.

Também para explicar sua saída da Ferrari, no fim de 2014, Alonso disse a quem desejasse ouvir que a razão de deixar os italianos era não confiar na escuderia quanto a voltar a ser campeã. Na Ferrari, Alonso foi vice em 2010, 2012 e 2013.

No período da associação McLaren-Honda, ele terminou o mundial de 2015 em 17º, com 11 pontos, diante de 381 de Hamilton, campeão. Em 2016, Alonso foi décimo, com 54 pontos. Nico Rosberg, Mercedes, primeiro, 385. No ano passado, 15º, com 17 pontos. Hamilton, campeão, 363.

No primeiro dia da pré-temporada de 2017, em Barcelona, portanto depois de a associação McLaren-Honda ter disputado dois campeonatos, 2015 e 2016, sempre entre os últimos, nona e sexta, o repórter ouviu de Alonso, já incrédulo do projeto, ao ficar sabendo que não poderia treinar por quebra da nova unidade motriz:

– Nunca me preparei tanto para um campeonato como o deste ano (2017). Ouvi promessas de uma nova realidade, teríamos um novo motor. Melhorei ainda mais a minha parte física, frequentei mais a fábrica (da McLaren, em Woking, Inglaterra), acompanhei tudo de perto e ontem saí aqui do autódromo (circuito da Catalunha), a uma hora da manhã. E hoje, nem bem começamos os trabalhos fui informado de que não seria possível continuar por causa de problemas no motor.

Dá para entender melhor o sentido de Alonso não suportar mais dar tudo de si, a todo instante, e colher tão pouco?

A única coisa boa desse tempo de resultados incompatíveis com sua reconhecida competência, gana de vencer e andar mais que o carro é o dinheiro que ganhou e ainda lhe pagam. Na McLaren-Honda, há o consenso no paddock de que recebia nada menos de 36 milhões de euros (R$ 162 milhões) por ano. E nada mudou agora na McLaren-Renault.

McLaren na Indy

Nós falávamos de o possível destino de Alonso ser os Estados Unidos, mais precisamente a Fórmula Indy, caso encerre mesmo a carreira na F1. E mencionamos haver indícios disso. Começa com a declaração de Mansour Ojjeh, em Barein, quando falou que gostaria de ver sua equipe “diversificar as áreas de competição”.

O diretor geral do grupo McLaren, o norte-americano Zak Brown, em Mônaco, não confirmou o projeto de a McLaren ter uma equipe na categoria americana. Mas não negou a possibilidade.

Gil de Ferran, campeão da Indy em 2000 e 2001 e vencedor das 500 Milhas de Indianápolis de 2003, sempre na equipe Penske, foi contratado recentemente como consultor da McLaren. No ano passado, Gil orientou o projeto de a McLaren levar Alonso para disputar as 500 Milhas de Indianápolis, associada ao time de Michael Andretti. Certamente a função de Gil agora na McLaren não é a de ser útil ao grupo na F1.

O diretor executivo da Indy, Mark Miles, fez o pessoal da F1 levantar ainda mais suspeitas ao afirmar que a McLaren tem interesse em criar uma equipe para disputar a categoria que gerencia.

Coloque nessa balança um peso elevado capaz de desequilibrá-la para o lado dos americanos: na F Indy, todos competem com o mesmo chassi produzido pela Dallara, com margem mínima de desenvolvimento, e pneus Firestone. Mais: os motores são muito mais simples que os da F1, não híbridos, Honda ou Chevrolet, de 2,2 litros, V-6, biturbo, de performance bem semelhante.

A diferença de orçamento entre as escuderias não é o acinte da F1, em que a Ferrari investe 300 milhões de euros (R$ 1,3 bilhão) por ano e a Sauber, 80 milhões (R$ 360 milhões). Para a Penske disputar este ano a temporada com três carros em condições de lutar pelas vitórias, 25 milhões de euros (R$ 90 milhões) são suficientes, ou 30% do orçamento do time que menos investe na F1. Isso ajuda muito a criar diferenças bem menores de performance entre os adversários.

Importância do piloto é muito maior

Estamos descrevendo um cenário onde a importância do piloto é bem maior na conquista de um resultado que na F1, onde o peso do equipamento, chassi e unidade motriz, é muitas vezes maior que na Indy. Esses elementos todos caracterizam o alimento que Alonso precisa para dar sequência a sua carreira.

É pouco provável que a McLaren, mesmo reestruturada na área técnica, vá descontar em 2019 a enorme diferença de desempenho que a separa da Mercedes, Ferrari e Red Bull. Experiente, Alonso sabe disso.

Na Indy, o investimento necessário é relativamente pequeno, bem possível para o Grupo McLaren, com um faturamento anual de 550 milhões de euros (R$ 2,4 bilhões), e há o grande interesse da McLaren Automotive, empresa do grupo, em vender bem mais carros no mercado americano. Ela produz modelos esportivos de alta performance, exclusivos, como McLaren Senna, 570S e 720S.

Rever drasticamente o valor do contrato

Portanto, se a McLaren partir mesmo para, além de manter o time na F1 ter o seu na F Indy, faz sentido acreditarmos que o seu líder lá seria Alonso. Teria de abdicar do WEC, pela coincidência de datas entre os dois campeonatos. Há, porém, um impedimento: o espanhol teria de rever profundamente sua política de salário, hoje em impressionantes 3 milhões de euros (R$ 13,5 milhões) por mês, ou, como mencionado, 36 milhões de euros por ano.

O universo financeiro da F Indy nada tem a ver com o da F1. Na melhor das hipóteses a McLaren lhe pagaria para disputar uma temporada na competição americana algo como 6 milhões de euros (R$ 27 milhões). Mais prêmios por conquista, claro.

Seria o piloto com maior contrato de valor fixo da F Indy. Lá a filosofia é pagar um fixo baixo e o piloto elevar seus rendimentos com os prêmios obtidos pelos resultados. E mesmo o mais bem sucedido não se aproxima dos melhores contratos da F1.

Alonso tem portanto um desafio interior: de um lado está o inigualável faturamento de 36 milhões de euros oferecidos pela McLaren se desejar seguir na F1, mas sabendo que uma vitória, em 2019, seria surpreendente. Do outro, a possibilidade elevada de lutar pelas pole positions, vitórias e mesmo ser campeão na F Indy, tão necessárias a ele, mas vendo entrar na sua conta, tudo dando muito certo, entre salário e prêmios, um terço do que a F1 lhe pagaria.

Como os desdobramentos de uma decisão dessa natureza são grandes, é bem possível que na altura de a F1 deixar a Europa para ir a Ásia, depois do GP da Itália, 14º do calendário, dia 2 de setembro, a decisão de Alonso seja conhecida. O próprio Brown lhe deve ter colocado uma data limite para informar o que deseja.

Se Alonso confirmar a mudança para os Estados Unidos, a F1 perderá um dos pilotos mais completos que já conheceu, dois títulos, 32 vitórias, 97 pódios e 22 poles, mas também dos mais polêmicos. Bem, esse é um tema para outra reportagem.

Globo Esporte

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