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Os desafios da economia criativa perante o estado

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publicado em 01/11/2017 às 13h57
atualizado em 01/11/2017 às 11h19

Em um artigo, o bacharel em Direito e produtor cultural Rômulo Halysson Oliveira, fala sobre ‘economia criativa’. O termo se refere um forma de economia mais inclusiva e preocupada em implementar ações voltadas para as necessidades das pessoas, mas muitas vezes fora de um lógica extremamente mercantilista. O pesquisador destaca pontos essenciais dessa economia na cidade de João Pessoa. Confira.

OS DESAFIOS DA ECONOMIA CRIATIVA PERANTE O ESTADO E NOVA REALIDADE DE JOÃO PESSOA, CIDADE CRIATIVA

Muita gente admira, contempla, compra, se diverte. Consome. Mas poucas pessoas se dão conta de que literatura, cinema, teatro, arquitetura, gastronomia, design, moda, games e publicidade, atividades que agregam talento, conhecimento e imaginação como origem, são importantes geradoras de riqueza. Essa é a economia das coisas intangíveis, a economia criativa.

Primeiramente, é importante a leitura de alguns dados que tenhamos uma ideia de sua dimensão. Em 2016, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apontou que o setor criativo movimentou US$ 47 bilhões no País em 2015. Apenas o setor de audiovisual naquele ano representou equivalentes 0,54% do PIB (Produto Interno Bruto), maior do que a indústria farmacêutica.

Quando esses dados foram destrinchados, o BNDES destacou que a economia criativa aparecia com um desempenho acima de outros setores no Brasil. Segundo seu levantamento, de 2010 a 2016, as vendas de ingressos de cinema cresceram 63%, enquanto as vendas de automóveis encolheram 38% e as de máquinas agrícolas diminuíram 23%. Em 2015, as exportações de serviços de audiovisual subiram 110%, alcançando R$ 154,8 milhões. No mesmo ano, as exportações de serviços como um todo caíram 9%, para R$ 18,9 bilhões.

Trocando em miúdos, estamos falando de uma economia que não se lastreia em insumos materiais onde as commodities de bens fungíveis são a prioridade e onde o crescimento é linear. Na economia criativa não há commodities, nem nenhuma matéria prima para estocar. Até porque criatividade não se estoca. Aqui os ativos não intangíveis: conhecimento, inovação, valor social, histórico, cultural o que justifica o crescimento exponencial surpreendente apresentado.

Em 2014, como trabalho de conclusão do bacharelado de direito na Faculdade Internacional da Paraíba, apresentei a monografia “Marcos Legais para a Economia Criativa: Desafios para o Estado. Provocações para o Direito Econômico”, que buscava um olhar sobre a regulação (ou não) de setores da economia criativa, assim como verificava a atuação de diversos ramos da ciência jurídica a partir deste fenômeno, dentre os quais o direito público municipal. Com isso, a maior dificuldade foi justamente encontrar fontes no direito para o assunto que fossem além da proteção da propriedade intelectual e do direito autoral.

Minha preocupação em verificar fundamentações e bases jurídicas para o tema não era para menos. De lá para cá tenho pesquisado e anotando a volatilidade deste setor e essencialmente observado como o Estado não sabe se portar diante dos desafios que ele lhe impõe.

Vejamos.

Há duas semanas, o município do Rio de Janeiro, imitando São Paulo, enviou um projeto de lei para a Câmara Municipal que prevê cobrança de ISS para serviços de streaming como Spotify e Netflix. A cobrança é apontada como inconstitucional, já que estas plataformas não prestam serviço, mas sim, locam o seu conteúdo ao usuário e o Supremo Tribunal Federal em decisão consolidada proíbe cobrança de ISS sobre operações parecidas, como a locação de bens móveis, por entender que locar algo é disponibilizar algo, não realizar um serviço.

E a confusão não para… Ontem, aliás, o Brasil foi tomado pelo afunilamento do debate sobre a regulação dos aplicativos de carona. A pressão social de mais de 500 mil motoristas da modalidade e de 17 milhões de usuários, foi determinante para que os senadores recuassem, mantendo o serviço praticamente da mesma forma, salvo a obrigatoriedade da disponibilização dos dados dos seus motoristas para o município, o que é justo e seguro.

Além disso, a economia criativa tem apontado mudanças nos modelos de negócio da economia capitalista. O que demonstra que o acesso ao conhecimento e as mídias sociais estão levando as pessoas a serem cada vez menos afeitas a exploração econômica e as Startups estão atuando a partir disto. O próprio Uber é um bom exemplo. Integrante da economia de compartilhamento (prima tecnológica da criativa) prova que um modelo de negócio baseado em caronas solidárias que compartilha lucros com os motoristas é fundamental para o sucesso.

Esse ambiente acaba por redesenhar também o modelo de consumo. O consumo consciente, cada vez mais afeito a ideia de sustentabilidade, cultura e inclusão social desafia o empreendedor criativo a formular seu negócio não apenas para auferir lucro, mas para resolver problemas e compartilhar soluções. Foi pensando assim que uma startup paulista percebeu a dificuldade de moradores das favelas da cidade na hora de reformar o imóvel. Os problemas estruturais e de regularização junto a prefeitura fez com que a empresa passasse a oferecer um sistema de reforma a baixo custo (até 5 mil reais parcelado) entregue com toda regularização municipal incluída e utilizando mão de obra local.

Uma mudança de postura que mexe com todos, inclusive com os próprios criativos. Como essas startups se associam a outras voltadas para publicidade, as agências tradicionais também correm para se adaptar e sobreviver. O marketing físico é um paciente agonizando vendo seu irmão mais novo, o marketing digital, voar pela janela da inovação em céu de brigadeiro. Sem contar que a publicidade em si também passa por mudanças significativas, deixando para trás o foco “produto/consumidor” e buscando compreender as visões de mundo deste último para direcionar de que forma o produto (serviço) pode participar desse processo não como fim em si, mas como meio.

Todo este cenário de mudança na economia e no consumo, necessariamente não descarta o papel do Estado, mas o percebe como fomentador. Estimulando a pesquisa e o desenvolvimento na área e o financiamento do setor. Buscando nele ainda, soluções criativas e econômicas para problemas públicos e/ou gerenciais.

No âmbito municipal, por exemplo, a economia criativa se consolida na ideia das smart cities e/ou das cidades criativas, “(…) aquela que se reinventa permanentemente para se tornar melhor”, no brilhante conceito definido pela Professora Ana Clara Reis, referência internacional no assunto. Na cidade criativa as soluções aparecem dialogadas com os setores sociais onde as intervenções urbanas serão executadas. Apontando soluções eficazes a partir da elaboração de um planejamento urbano municipal participativo voltado para este fim. Por outro lado, no campo interno do poder público, é possível encontrar soluções (como já o faz) para seus entraves procedimentais no desenvolvimento de software e aplicativos gerenciais, o que pode acelerar o atendimento ao cidadão. Um exemplo a ser destaco é o Hackfest, iniciativa do Ministério Público da Paraíba que estimula a população a desenvolver softwares e aplicativos voltados à transparência, controle dos gastos públicos e o combate à corrupção.

Diante do atual cenário de crise, a notícia da escolha do município de João Pessoa para integrar a seleta Rede Mundial de Cidades Criativas da UNESCO (UCCN) é uma das melhores para quem atua e pesquisa nesta área. Pois, a partir de agora, o tema deixa de ser coadjuvante e passa a ser protagonista no desenho da cidade que desejamos: mais participativa, inteligente, sustentável e criativa.

João Pessoa, que já havia sido observada pelo BID na solução Cidades Emergentes Sustentáveis, agora é vista com bons olhos pelas Nações Unidas, provando que trabalho, foco e criatividade compõem uma receita infalível. Parabéns para nós!

MaisPB

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