João Pessoa, 08 de março de 2017 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
EUA

Possibilidade de conspiração interna preocupa governo Trump

Comentários: 0
publicado em 08/03/2017 às 12h04
atualizado em 08/03/2017 às 09h05

As acusações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que seu antecessor, Barack Obama, teria ordenado escutas contra ele, e suas afirmações de que a burocracia vem promovendo vazamento de segredos para desacreditá-lo são os mais recentes sinais da preocupação da Casa Branca quanto a um “Estado profundo” que estaria trabalhando para bloquear a presidência.

O conceito de um “Estado profundo” –uma nebulosa rede de dirigentes de agências e oficiais das Forças Armadas que conspiram secretamente para influenciar as políticas do governo– costuma ser usada para descrever países como o Egito, Turquia e Paquistão, nos quais elementos autoritários se unem para solapar líderes democraticamente eleitos.

Mas na Ala Oeste da Casa Branca, Trump e seu círculo mais próximo de assessores, especialmente seu estrategista-chefe, Stephen Bannon, veem a influência de forças como essas também nos Estados Unidos, e essencialmente argumentam que seu governo está sendo minado de dentro.

É uma afirmação extraordinária para um presidente no exercício do cargo. Trump, que no ano passado descartou furiosamente a conclusão dos serviços de informações norte-americanos de que os russos interferiram na eleição presidencial a fim de beneficiá-lo, agora solicitou à sua equipe e ao comitê do Congresso que está investigando a influência de Moscou na eleição que encontrem provas de que Obama comandou um esforço para espioná-lo.

SISTEMA HOSTIL

“O que o presidente Trump está descobrindo é que ele tem um imenso, imenso problema abaixo dele, e acho que está chocado por o sistema ser hostil a esse ponto”, disse Newt Gingrich, importante assessor da campanha de Trump que afirmou ter conversado com Bannon muitas vezes sobre suas suspeitas quanto ao Estado profundo e sua influência, que ele vê como perniciosa.

“Estamos enfrentando uma estrutura burocrática permanente que está se defendendo e está perfeitamente disposta a violar a lei para fazê-lo”, disse Gingrich.

Nem Trump e nem Bannon usaram publicamente a expressão “Estado profundo”. Mas ambos argumentaram que existe um esforço orquestrado em curso, alimentado por vazamentos e protegido pela mídia noticiosa, para derrubar o novo presidente e interferir com sua agenda.

“As reportagens sobre investigações com potenciais motivações políticas logo antes da eleição de 2016 são muito preocupantes”, disse Sean Spicer, o secretário de imprensa da Casa Branca, no domingo (5).

POSTURA ALARMANTE

Veteranos de governos anteriores se alarmaram com a postura da equipe de Trump, argumentando que ela sugere um país não democrático no qual as normas legais e morais são ignoradas

“Eu jamais usaria a expressão ‘Estado profundo'”, disse Michael Hayden, diretor da CIA (serviço secreto americano) nas Presidências de Obama e George W. Bush, em entrevista à rede de TV MSNBC, na segunda-feira (6). “É uma expressão que usamos quanto à Turquia e países desse tipo, mas não sobre a república norte-americana”.

Loren DeJonge Schulman, antiga integrante do Conselho de Segurança Nacional na presidência Obama e pesquisadora sênior do Center for a New American Security, disse que presidentes e funcionários importantes da Casa Branca reclamam frequentemente daquilo que veem como uma burocracia morosa.

Mas é perturbador que um governo no poder afirme que funcionários civis estão trabalhando ativamente para subverter sua autoridade.

“Um Estado profundo, quando estamos falando da Turquia, Egito ou outros países, é uma parte do governo, ou pessoas de fora do governo, que literalmente controlam a direção em que o país avança, não importa quem esteja nominalmente no comando, e provavelmente estão envolvidas em homicídios e outras práticas corruptas”, disse Schulman. “É chocante ouvir esse tipo de raciocínio vindo de um presidente ou das pessoas mais próximas a ele.”

Mas para os aliados e partidários de Trump, o presidente estava simplesmente dando voz a uma teoria que lhes é cara.

“Estamos falando do surgimento de um Estado profundo liderado por Barack Obama, e isso é algo que deveríamos impedir”, disse o deputado Steve King, republicano de Iowa. “A pessoa que mais compreende isso é Steve Bannon, e eu acho que ele está propondo medidas para corrigir o problema”.

GOLPES

Estado profundo é uma expressão ouvida frequentemente com relação a países nos quais há um histórico de golpes militares e nos quais generais muitas vezes detêm o poder mesmo que haja líderes eleitos.

O Paquistão é o exemplo número um: o Estado profundo é muitas vezes invocado em discussões sérias sobre o papel das Forças Armadas e do serviço de inteligência do país na política.

Grandes segmentos da população consideram a mão invisível das forças de segurança como responsável por grandes eventos políticos e por toda espécie de acontecimentos cotidianos, como controles policiais de veículos.

“O conceito do Estado profundo emerge em lugares nos quais o Exército e o aparato de segurança criam fronteiras que as pessoas da política civil se veem forçadas a respeitar”, disse Peter Feaver, especialista em relações entre civis e militares na Universidade Duke, e antigo assessor de segurança nacional no governo Bush. “Se essas fronteiras são desrespeitadas, o Estado profundo interfere para reordenar as coisas, muitas vezes por meio do uso da força militar.”

Vazamentos vs. oposição séria

Nos Estados Unidos, não é nada incomum que desentendimentos entre facções rivais de um governo venham em público. Na Presidência de Ronald Reagan, o secretário de Estado, George Shultz, e o secretário da Defesa, Caspar Weinberger, eram antagonistas frequentes, e brigavam por meio de reportagens rivais na imprensa.

“Só porque você vê coisas como vazamentos, interferência e obstrução, não significa necessariamente que exista um Estado profundo –essas são coisas que já vimos no passado, historicamente, e nada tem de novo”, disse James Jay Carafano, pesquisador da Heritage Foundation que assessorou Trump em sua transição. “O que seria diferente é se houvesse pessoas do governo anterior orquestrando conscientemente uma oposição interna séria ao presidente.”

Na ausência de provas, em um sentido ou no outro, acrescentou Carafano, “é difícil saber. Trump está recorrendo a uma retórica política forte ou isso é uma teoria séria?”

Folha de S. Paulo

Leia Também