João Pessoa, 05 de fevereiro de 2017 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
violência

Uma criança é atingida por bala perdida a cada duas semanas no Rio de Janeiro

Comentários: 0
publicado em 05/02/2017 às 09h24

As roupas e bonecas de Bia ainda ocupam as gavetas e prateleiras do quarto vazio. Diana Duarte da Cruz, de 27 anos, não teve coragem de tirá-las de lá. Toda vez que olha para os objetos, lembra os últimos momentos que passou com a filha, Ana Beatriz Duarte e Sá. A menina morreu aos 5 anos, em março do ano passado, após ser atingida por uma bala perdida enquanto brincava com amigas na festa de aniversário de uma tia, numa casa vizinha a que morava com a mãe, no bairro Santa Catarina, em São Gonçalo. Após a morte, Diana parou de trabalhar e só conseguiu suportar a dor com a ajuda da fé.

— Minha mãe e eu só seguimos em frente porque Deus colocou essa missão em nossa vida. Ela virou pastora e fundou a Igreja Canaã Terra da Promessa, onde eu trabalho como secretária. Tenho certeza de que a Bia está conosco nos cultos — diz Diana.

A tragédia que mudou a vida da obreira entra para uma triste estatística de famílias que perderam filhos para a violência. Um levantamento inédito feito pelo EXTRA com base em dados da Polícia Civil revela que, desde janeiro de 2015, 87 crianças foram atingidas por balas perdidas no Rio — ou seja, a cada duas semanas, uma pessoa de até 14 anos é vítima no estado. Ao todo, 18 morreram. Ao longo das últimas duas semanas, o EXTRA entrou em contato com as famílias das vítimas fatais. As histórias de sete delas serão contadas na série “Futuro Perdido”.

No púlpito da igreja que fundou, a pastora Rosângela Pinheiro Duarte, de 45 anos, mãe de Diana, olha imagens da neta. Nas mãos, o álbum de fotos profissionais que era o sonho de Bia, uma menina vaidosa, que adorava fazer penteados diferentes com seus cachos. Até hoje, Rosângela e Diana não sabem de onde veio o projétil que matou a menina. A investigação da Polícia Civil só concluiu que a bala partiu do Morro do Zumbi, área disputada entre traficantes e milicianos, perto da casa da família. Perguntada se sente ódio de quem atirou, Rosângela dá de ombros:

— Independente de quem for, só espero que Deus toque o coração dessa pessoa.

Entre os feridos, dois bebês de apenas 9 meses

Disparos como o que matou Bia, direto na cabeça da menina, têm o maior índice de letalidade: das 18 crianças mortas por balas perdidas, 12 foram atingidas no rosto ou na nuca. Os outros seis foram baleados na barriga ou no peito. Entre as crianças que sobreviveram ao ferimento, a maioria — 20 no total — foi alvejada nas pernas.

Este ano, duas crianças foram vítimas de balas perdidas no estado. Rebeca de Jesus Barbosa, de 3 anos, foi atingida numa comunidade em Angra dos Reis, na Costa Verde, na noite de 20 de janeiro. A menina sobreviveu ao ferimento. Já Sofia Lara Braga, de 2 anos, foi baleada um dia depois enquanto se divertia no parquinho de uma lanchonete em Irajá, na Zona Norte do Rio. Ela não resistiu.

Durante o período pesquisado pelo EXTRA, as duas vítimas não fatais mais novas tinham apenas 9 meses: uma delas foi ferida no Morro do Adeus, em Bonsucesso, na Zona Norte, e outra no Jardim Canaã, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. A maior parte das crianças, entretanto, tinha de 11 a 14 anos quando foi atingida — foram 34 nessa faixa etária, 39% do total.

Extra

Leia Também