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Série Fenômenos Eleitorais: gari é eleito vereador mais votado

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publicado em 11/11/2016 às 09h38
atualizado em 11/11/2016 às 08h19

A série de reportagens apresentando fenômenos eleitorais nas eleições municipais deste ano na região Nordeste realizada pelo blog do Magno Martins, de Pernambuco, em parceria com o Portal MaisPB, mostra, nesta sexta-feira (11), o gari Marcelo Jacó da Silva Alves, 34 anos, ou simplesmente Jacky Leone, nome artístico que adotou por ser ator nas horas vagas.  Com 1.223 votos, 5,20% dos votos válidos, ele foi eleito o vereador mais votado em São Caetano, Agreste pernambucano.

Confira no vídeo

SÃO CAETANO – Se nas capitais as eleições municipais deste ano foram marcadas pelo símbolo da vassoura, que varreu o PT do poder, nos grotões nordestinos a mudança se deu no campo do inusitado. Em São Caetano, a 148 km do Recife, o vereador mais votado passou os últimos dois anos recolhendo o lixo da cidade como gari, contratado por uma empresa terceirizada pela Prefeitura. Marcelo Jacó da Silva Alves, 34 anos, ou simplesmente Jacky Leone, nome artístico que adotou por ser ator nas horas vagas, teve 1.223 votos, 5,20% dos votos válidos. Desbancou os poderosos, contrariou teses, entre as quais a de que a janela do Legislativo não se abre para lisos.

Fã de carteirinha de Jackie Chan, ator oriental especialista em artes marciais e do cantor Michael Jackson, Jacky Leone caiu na graça facilmente do povo de São Caetano por ter feito uma campanha bem-humorada para quebrar preconceitos. Além de dançar imitando o maior ícone negro de todos os tempos da música americana e se inspirar nos heroísmo de ação do Kung Fu, principal estilo de Jackie Chan, Leone usou, principalmente, a bandeira do combate à corrupção.

“Para varrer a corrupção, vote no homem da vassoura”, este virou o seu slogan de campanha, associando ao instrumento de uma profissão que abraçou por falta de oportunidades de melhores empregos na cidade. Como gari, Jacky trabalhou até abril deste ano. Casado, pai de três filhos, embolsava um salário de R$ 1,1 mil, já incluído o extra para varrer o lixo nos dias de feira. Mora num bairro periférico num casebre pertencente a sua mulher, que é viúva e desempregada, dependente de pensão.

No seu Facebook, apresenta-se como ator, artista, representante oficial da arte e cultura de São Caetano. Também como gari, coletor de lixo da sociedade na empresa Prefeitura de São Caetano e colhedor de tomates na empresa Zona Rural, além de entregador de pizza. Natural de Caruaru, cidade vizinha, mora em São Caetano desde garoto, sendo seguido por 658 amigos em sua principal página nas redes sociais, onde foca suas imagens em peças teatrais e nas ruas, divertindo amigos e fãs.

Jacky entrou na disputa influenciado por amigos e colegas de trabalho. A princípio, sua opção partidária era o PTB, partido do atual prefeito, derrotado pelo tucano Jadiel Braga, mas foi impedido de ingressar no partido dos seus sonhos por puro preconceito. “A direção local do PTB criou todos os tipos de dificuldades para o meu ingresso na legenda. Não fosse Felipe, um amigão que tenho aqui e que gosta de política, eu teria perdido o prazo de filiação. Foi graças a ele que me filiei no PSDB em cima da hora, faltando poucos dias do prazo exigido”, diz.

Para ele, a discriminação do PTB se deu pelo fato de ser gari. “Eu não tenho nenhuma dúvida disso”, afirmou. Mas o PSDB, especialmente o prefeito eleito, o recebeu de braços abertos. “As urnas deram o recado e baniram o preconceito”, ressalta o vereador, referindo-se à acachapante derrota sofrida pelo prefeito Doutor Neves. Abertas as urnas, Jadiel, que na eleição passada foi patrono da candidatura de Neves, teve 13.130 votos, 57,04% dos votos válidos, ante 9.071 votos (39,41%) do prefeito-adversário.

O plano de Deus

Como varredor de rua, a rotina de Jacky não era fácil. Cumpria dois expedientes, com intervalo de apenas uma hora para o almoço. Numa cidade em que o lixo não é incinerado, jogado num enorme descampado a céu aberto, ele passou a se familiarizar com a colônia dos catadores de lixo, que levam uma vida de cão, procurando material reciclável para venda. Na sexta-feira passada, acompanhei o vereador numa visita ao local, onde foi recebido com muita festa, verdadeiro pop star.

“Eu votei no Jacky para ele nos tirar desta vida de bicho. Ele sabe o que a gente passa aqui, porque despejou muito lixo neste local pra gente catar”, diz Geraldo Chaves, 27 anos, catador há dez anos, enquanto enfurnava a cara num amontoado de restos de comida jogado por uma caçamba do serviço de recolhimento de lixo da cidade, da empresa que o vereador eleito prestou serviços.

Entre abraços, fotos e gritos de guerra “É Jacky”, os catadores foram, aos poucos, revelando os segredos que levaram o amigo a ser o vereador mais votado do município. “Ele é um amor de pessoa, um ator sensacional, um pai de família exemplar, um amigo para todas as horas”, disse João Evangelista, um dos cabos eleitorais do gari-vereador.

A opção de deixar a empresa em que trabalhava como gari, em abril deste ano, foi do próprio Jacky, que chegou a indicar um dos catadores amigos para o seu lugar, mas sem sucesso. “Eu fui a Jacky e disse: rapaz, como você joga um emprego desse fora. Indica-me para o seu te lugar. Ele trabalhou por isso, mas não deu certo. E sabe o que ele me respondeu, que nunca esqueci? Deus tem um plano para a minha vida”, disse Esmeraldo Manoel.

“O plano era o mandato de vereador”, comemora Jacky, que seguiu fielmente o preceito de que a vida não muda de plano se não passar por longas e silenciosas metamorfoses. “Aprenda a gostar, mas gostar mesmo, das coisas que deve fazer e das pessoas que o cercam. Em pouco tempo descobrirá que a vida é muito boa e que você é uma pessoa querida por todos”, ensina o agora parlamentar.

Das urnas, consagrado pela obstinação e pelo seu jeito artístico de conquistar seu público em plateias, Jacky prova que uma pessoa é bela, não pela beleza dela, mas pela beleza que nela se reflete. Diz o poeta Rubem Alves que somos  as coisas que moram dentro de nós. Por isso, existem pessoas tão bonitas, como Jacky, não pela cara, mas pela exuberância do seu mundo interior.

“Quando tomar posse quero abrir a discussão de instalar uma usina de lixo na cidade, acabar o lixão e criar uma cooperativa para os catadores”, adianta ele, que tem também a preocupação de, como artista, fortalecer o movimento cultural de São Caetano. São Caetano abriga o Museu Histórico,  com do vasto conteúdo do município e um acervo cultural e histórico sobre o Sertão nordestino, Agreste e Zona da Mata, apresentando o estilo de vida dos sertanejos.

O visitante pode encontrar material sobre a Guerra de Canudos, Antônio Conselheiro, Luiz Gonzaga, Padre Cícero, o poeta José Marcolino, Patativa do Assaré, Zumbi dos Palmares, além de amplo histórico sobre o cangaço brasileiro, inclusive com vídeos originais da rotina do cangaceiro Lampião e seu bando.  O rico acervo rendeu ao museu o título de segundo maior museu de história do Sertão no Brasil, perdendo apenas para o Museu do Homem do Nordeste, no Recife. Recentemente, participou da Feira dos Municípios no Parque do Cordeiro, no Recife, sendo premiado como a maior atração do evento. O museu de São Caetano é, hoje, uma larga fonte de conhecimento para trabalhos escolares e estudos dos mais diversos tipos. Diariamente recebe turmas de escolas, faculdades, turistas e moradores da cidade.

É rico ainda em objetos e artefatos que fizeram e fazem parte da história do Município desde a sua fundação até os dias de hoje. Além das fotografias, documentários, fitas de vídeo, etc. Muitas peças históricas vindas de outras cidades do Estado, que contribuem para a história, além dos documentários escritos, muitas literaturas do passado e literaturas atuais, muitas reportagens e documentários em vídeo, estão à mostra. Além disso, objetos históricos, como um despaldador de café que era usado nas décadas passadas, quando a cidade de São Caetano já contribuía muito para o crescimento do Estado através dos seus cafezais, estão expostos.

MaisPB

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