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Fora da lei

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publicado em 16/04/2015 às 14h10

Descoberto pelo velho mundo, o Brasil gosta de pensar – diante dos milênio que nos separam – que é uma nação jovem.

Há mais de 500 anos cultivamos esta juventude – uma boa escusa para explicar tantos erros e desvios. Afinal, jovem é assim mesmo: enquanto aprende a viver, comete erros, se distrai, deixa para amanhã o que deveria ter feito ontem.

Com mais de meio século de história, porém, já não somos mais tão jovens assim como nação. E precisamos encarar de frente nossos equívocos.

Singapura, que nem atingiu 60 anos, dá exemplos ao mundo ao ostentar o melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre os países asiáticos – o nono melhor do mundo em 2014.

O Brasil, cinco séculos depois, ainda tropeça em direitos fundamentais.

Se fosse arriscar, diria que um dos nossos maiores erros se situa na esfera comportamental. De Pero Vaz para cá, nos notabilizamos como o país da permissividade.

E este fenômeno se ramifica por praticamente todas os pilares que sustentam esta nação – entre eles, as leis.

Viciados em permitir e fazer pouco caso, burlamos até compromissos legais.

Os exemplos se multiplicam pela história. Mas pinço hoje, a título de ilustração, dois fatos recentes que caem como uma luva neste perfil de permissividade brasileira.

Um deles é o caso das cinquentinhas.

Trata-se de uma verdadeira aberração deixar o trânsito livre para veículos ciclomotores sem identificação. Anonimamente, cruzam nossas vias públicas e até autoestradas, não raro infringindo as leis de trânsito e dos homens. E se transformando em instrumento para a criminalidade.

O emplacamento, porém, tem sido continuamente postergado. Os primeiros 90 dias de perdão expiraram e foram prorrogados por mais 90 sob o argumento de que os proprietários das cinquentinhas não têm condições de arcar com os custos da regularização.

Era mais do que previsível, porém, que o dono de um veículo que custa em média R$ 2.000 teria dificuldade de pagar uma conta que se aproxima desses valores quando se soma emplacamento e habilitação do condutor.

E se isso passou desapercebido, três meses era prazo suficiente para a correção do problema.

Não foi. Com a nova prorrogação, a legislação será ignorada por pelo menos 180 dias.

Outro exemplo vem de Campina Grande, onde cerca de 500 pessoas clamam pela retirada de linhas de transmissão da Chesf. As famílias estão instaladas justo embaixo da rede de alta tensão – o que, obviamente, representa um risco incalculável.

O problema é que, há cerca de dez anos, estas famílias (que pelas leis brasileiras deveriam ter assegurado o direito a moradia) engrossavam os assombrosos déficits habitacionais. Sem teto, invadiram esta área, conhecida como Faixa de Domínio da Chesf – legalmente desapropriada para transporte de energia.

Uma década depois, os invasores querem expulsar as linhas de transmissão.

A permissividade de ontem resultou na omissão de hoje; o descaso gerou um incidente consumado. O poder público, populisticamente, diz que já não pode mais aplicar a lei. Ou seja: devolver a Chesf o que e da Chesf.

E é entre cinquentinhas e invasões – de aberração em aberração – que estamos construindo, nestes últimos cinco séculos, o estigma da permissividade e da ilegalidade – anistiando a infração; legalizando a contravenção.

Caminha estava certo: aqui, em se plantando, tudo dá. O que é mais um bom motivo para ficarmos atentos a qualidade – e a legalidade – da nossa semeadura patriota.

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