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Perda de tempo

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publicado em 29/03/2015 às 14h47

Quem acompanha minhas incursões semanais neste espaço sabe que não é a primeira vez que sou inspirado pelo Japão.

Já me reportei sobre o culto nipônico pelo positivismo – onde jamais se honraria, por exemplo, uma bandeira com a inscrição Nego – e também pela incrível capacidade de recuperação de seu povo (seja em meio a catástrofe de uma bomba atômica; seja experimentando o poder destrutivo de um tsunami).

Acredito que nunca chegará um dia em que me convencerei de que já fui lá o bastante – mesmo que seja estafante, para dizer o mínimo, percorrer a distância que nos separa.

Volto sempre que posso. E recomendo a quem gosto.

Nas últimas férias, por exemplo, meus netos preteriram a Disney americana para aportar na versão japonesa – e de lá voltaram maravilhados.

Como não se impressionar com a terra do sol nascente?

E, principalmente, com a cultura do seu povo?

Um amigo me contou esta semana que, em visita a uma indústria de satélites no Japão, foi recebido pelo presidente da companhia. Ele o ciceroneava pela empresa, apresentando o seu sistema operacional, quando subitamente surgiu na conversa o tema da pontualidade na agenda – um rito que o povo japonês cumpre à risca. Em dado momento, o presidente o interpelou:

– Qual o oposto da morte?

Meu amigo respondeu de pronto:

– A vida!

Resposta errada.

O presidente da companhia, então, apresentou ao amigo uma perspectiva curiosa e sábia, que só um povo com depuração milenar de valores seria capaz de cultivar:

– O oposto da vida é o nascimento! E a partir do nascimento constrói-se o conceito essencial da vida, que é o uso do tempo.

O executivo japonês sinalizava assim (e com muita clareza) a extensão da importância do tempo para o povo nipônico. Para eles, é em torno dessa unidade que a vida gira – um tic tac que começa no berço e para no túmulo.

E é certamente por isso que o povo japonês respeita tanto a pontualidade.

No Japão, a tolerância de espera máxima é de 5 minutos. Não se pode atrasar mais do que isso. Nem se antecipar em demasia.

Os apressados devem chegar no máximo dez minutos antes – e nem um minuto a mais. Pois isso sinalizaria mau uso do tempo.

Lá, o tempo não só é observado com acuidade. É cultuado como uma preciosidade. Talvez o bem mais valioso que o ser vivo possui.

No Brasil, onde se olha com desdém para os ponteiros dos relógios e os retardatários chegam com a certeza de que serão desculpados pois só estão “uma horinha” atrasados, é preciso lançar mão da criatividade para reunir um grupo com um mínimo de pontualidade.

Marcando os compromissos, por exemplo, com hora fracionada. Ao invés do convencional horário cheio – 10 horas, 10 e 30 – a convocação passa a ser às 10 horas e 32 minutos. Ou 10 horas e 22 minutos. Criando, desta forma, a clara noção de que o tempo será valorizado e observado minuto a minuto.

Eu, que sou um obstinado pela pontualidade e me angustio com o pouco caso demonstrado pelos que me cercam, já aviso aos navegantes: meus compromissos também serão marcados daqui por diante em horários fracionados. Por exemplo: às 13h48 ou às 9h54. E nenhum minuto a mais. Ou a menos.

Não quero perder meu tempo. Nem desperdiçar o alheio.

Assim como os japoneses, aprendi com o tempo que tudo o mais que se possa furtar do homem pode ser reposto.

O tempo não.

*Reprodução do Jornal do Correio da Paraíba.

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