Luz divina

Ela tinha 17 anos quando a revolução de 30 estava em seu auge.

E observava o confronto entre os Pessoas da Paraíba e os Pereiras de um posto privilegiado: dentro da casa do tio, Zé Pereira.

Pressão, tensão e estresse não faltaram – antes, durante e pós revolução. Pois a historiografia confirma: quem vence a guerra, conta a história.

Mas eu fui apresentado a este enredo pelo lado menos convencional.

Quando cheguei à Paraíba, no início da década de 70, tive a sorte de encontrar, no endereço ao lado, o casal Cleanto e Marta Coutinho.

Através deles, fui introduzido na sociedade paraibana, a uma perspectiva singular da revolução e a uma mulher muito especial: dona Hermosa, mãe de Marta, cujos olhos testemunharam muito de perto a resistência armada que fez de Princesa – ainda que por breves trinta dias – uma república independente do Brasil.

Naquela época, Hermosa era uma adolescente – certamente muito assustada com a onda de violência que entrava porta adentro da casa do tio.

Os tempos difíceis, porém, não parecem ter causado estragos em sua alma. Nem em sua memória.

Aos 102 anos, recém-completados, ostenta uma lucidez surpreendente.

Clareza de ideias muito superior – admito – a minha, conforme pude testemunhar na longa conversa que travamos, rememorando fatos e pessoas, ao lhe telefonar para parabenizá-la pelo aniversário.

Obviamente, completar 102 anos é para poucos. E só isso já faria de Hermosa uma pessoa especial. Mas o grifo que a esposa de Zacarias Sintônio recebe não se circunscreve a longevidade.

Se estende, também, à sua jornada; à como ela enfrentou esta travessia. E, principalmente, como chegou até aqui, testemunhando aos descrentes a inequívoca existência da Luz Divina.

Pois certamente Deus lançou sobre Hermosa um holofote generoso, fazendo-a atravessar mais de um século de vida conservando a graciosidade, a generosidade e a fé.

Além de uma mente incansável para compartilhar experiências e sabedorias em um nível que só é possível quando conectada a olhos que já enxergaram demais.

A partir da nomenclatura batismal, ela nos avisa: a vida é formosa.

E quem há de contrariar esta mulher hermosa?

*Reprodução do Correio da Paraíba.

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