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No RN, ‘Santuários eleitorais do Bolsa-Família’ mostra irregularidades de programas do Governo Federal

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publicado em 14/11/2014 às 18h07

A IV Estação do “Santuários eleitorais do Bolsa-Família”, série de reportagens realizada pelo Blog do jornalista Magno Martins, de Recife (PE), e reproduzida pelo Portal MaisPB, aconteceu nesta quinta-feira (13), no município de Água Nova, localizado no Alto Sertão Oeste do Rio Grande do Norte, a 416 km de Natal, capital do Estado. Na cidade, também foi constatado que funcionários públicos concursados da prefeitura recebem o benefício e registradas outras irregularidades em programas do Governo Federal, a exemplo da utilização de máquinas do PAC, o chamado kit seca, doadas ao município pela União, que já foram flagradas em obras que não se adequam ao que determina o Ministério do Desenvolvimento Social, como um campo de futebol.

O objetivo da série de reportagens é mostrar a expressiva votação da presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) em cidades do interior nordestino. Para o jornalista Magno Martins, o "Bolsa Família" foi o fator desequilibrador do último pleito presidencial. Em Água Nova, que tem apenas 3.003 habitantes, Dilma obteve a sexta maior votação proporcional do País. A série de reportagens foi iniciada na cidade paraibana de Camalaú,

Confira a íntegra da reportagem abaixo: 

ÁGUA NOVA (RN) – Com apenas 3.003 habitantes, Água Nova, no Alto Sertão Oeste do Rio Grande do Norte, a 416 km de Natal, capital do Estado, é um ponto geográfico perdido no mapa potiguar, extremamente desconhecido. Um vazio demográfico assustador. Seu perímetro urbano é composto, na verdade, por duas ruelas, a que entra e a que sai da cidade.

Tem apenas 792 casas, uma das maiores taxas de analfabetismo do Estado e uma dependência extrema de Pau dos Ferros, de onde se emancipou e para onde manda até hoje seus filhos enfermos por falta de hospital. Politicamente, é um curral eleitoral, uma sesmaria nordestina sob o manto do coronelismo, que deu a Dilma 90.71% dos votos, a maior votação do Estado, a sexta do País.

De cada dez dos 1.801 eleitores que foram às urnas no segundo turno da eleição presidencial, nove votaram em Dilma, que teve 1.679 votos, enquanto o tucano Aécio Neves pode contar com apenas 172 votos, que ninguém sabe de onde saíram, porque, oficialmente, nenhuma liderança apoiou o candidato do PSDB.

A oposição atribui os votos ao coronel Francisco Iromar Carvalho, filiado ao PMDB, que apoiou Marina Silva no primeiro turno. Iromar a maior expressão de mando na pobre e abandonada Água Nova. Nunca foi testado nas urnas, mas a sua força perpetua a família no poder há 12 anos.

A irmã Eliene Carvalho governou os dois mandatos anteriores e depois entregou a Rafaela Carvalho, sua sobrinha, estudante de Odontologia, filha do coronel, a patente de prefeito de direito, porque de fato quem governa é o pai, o coronel Iromar. Marido da prefeita, o médico Wilton, exibe com orgulho o título de “prefeita mais jovem do Estado potiguar e a segunda mais jovem do País”, com apenas 26 anos.

Prefeita Rafaela Carvalho (PMDB) – Foto: Reprodução/Google

Rafaela é o que se pode traduzir de uma invencionice política do pai. Criada em Natal, aterrissou na cidade faltando poucos dias para a eleição. A oposição diz ela não conhece a geografia política do município nem igualmente os seus problemas. O mando do pai é tão predominante que, além de assumir a chave do cofre, nomeando-se secretário de Finanças, colocou Leonardo Carvalho, primo legítimo da prefeita, na Secretaria de Planejamento.


Rosineide Nascimento, presidente do Sindicato dos Servidores e fundadora do PT

“A lei do nepotismo não existe na cidade de Água Nova”, protesta Rosineide Nascimento, fundadora do PT, presidente do Sindicato dos Servidores Municipais. Segundo ela, não existe diálogo do poderoso nem da prefeita com o Sindicato, porque a cidade é governada sob o mandato do coronelismo. “O Iromar é um coronel que reina absoluto na cidade”, reconhece a petista.


Ronaldo de Souza (PROS), ex-vereador do município

Segundo o ex-vereador Ronaldo de Souza (PROS), hoje a principal liderança de oposição no município, que enfrenta o coronel sem medo, tão logo a prefeita foi eleita em 2012, com 1.326 votos, 60% dos votos válidos, derrotando Yria Guenes, uma candidata inventada de última hora pela oposição, seu salário pulou de R$ 7,8 mil para R$ 16,125 mil.

Um valor absurdo, aprovado pela Câmara de Vereadores no início do mandato dela, mas vigorando com data retroativa, pois a lei obriga a definição do subsídio do prefeito eleito na legislatura anterior. “Eles burlaram a lei e ficou por isso. Uma prefeita embolsar R$ 16 mil numa cidade em que 70% da sua população vive abaixo da linha de pobreza é uma agressão”, diz Ronaldo.


Casas de taipa exibem o retrato da pobreza em Água Nova

E é de fato, pois Água Nova é tão pobre que ainda existem muitas famílias morando em casa de taipa, não há hospital, falta água nas torneiras, a seca devastou a lavoura do caju, milho e feijão, que sustentavam a sua economia, e 542 famílias se penduram no programa Bolsa Família para escapar da morte, que antes do programa de transferência de renda mandava recado que estava chegando pela seca.


Máquinas do PAC com desvio de finalidades em obras

O abuso de poder pela família Carvalho é flagrante. Vigilante oposicionista, Ronaldo já denunciou ao Ministério Público que as máquinas do PAC, o chamado kit seca, doadas ao município pela União, já foram flagradas em obras que não se adequam ao que determina o Ministério do Desenvolvimento Social, como um campo de futebol. E até o carro pipa, do mesmo kit, foi visto abastecendo a casa do coronel.

“Já mandei a sugestão para a Rede Globo, que vem apresentando no Fantástico a série de reportagens “Cadê o dinheiro”, para dar uma passadinha em Água Nova. Aqui, desapareceram os recursos para o campo de futebol, um centro cultural e até um pórtico de entrada da cidade, avaliado em R$ 136 mil, segundo consta no Portal da Transparência”, disse o ex-vereador.

Concursada da Prefeitura recebe Bolsa-Família

Zeladora concursada da Prefeitura, Maria José de Oliveira recebe Bolsa-Família

O programa Bolsa Família, que contempla 522 famílias em Água Nova também tem gritantes irregularidades como as que esta série de reportagens constatou em Potiretama, no Sertão cearense. As suspeitas de que servidores da Prefeitura são contemplados foram confirmadas em Serra das Almas, uma das comunidades mais pobres do município.

Lá, não foi preciso andar muito para encontrar gente com renda acima do valor exigido pelo MDA para se cadastrar. É o caso da zeladora Maria José de Oliveira, 37 anos, mãe de oito filhos, funcionária concursada pela Prefeitura. “Perdi a noção do tempo que recebo a Bolsa”, diz ela ao exibir o cartão.


Sede da Prefeitura de Água Nova

Pela Prefeitura, Maria José recebe salário mínimo para trabalhar numa escola municipal a 100 metros de onde mora, no alto da serra, de onde se avista a cidade abaixo. Já pelo Bolsa, percebe R$ 230. “É a minha salvação, meu filho, pois está difícil meu marido arranjar um bico com essa seca desgraçada”, afirmou.

Na Serra das Almas moram 35 famílias, todas praticamente beneficiárias do Bolsa Família. Quem ainda não está recebendo já fez o cadastro e está na expectativa, embora tenham corrido rumores por lá de que haveria cortes no programa. A água de beber para a comunidade, atingida por uma seca que já dura três anos consecutivos, chega por carros pipas do Exército.

Como presidente do Sindicato dos Servidores, Rosineide Nascimento afirma que antigamente, quando tinha mais tempo, costumava acompanhar os cadastros do Bolsa Família para identificar distorções. “Como aqui é uma cidade muito pequena, a gente vendo a lista dos beneficiários pode saber quem tem o direito de receber ou não o auxílio e confesso que antes, não sei agora, não havia irregularidades gritantes”, assinala.


Francisca Pereira diz que teve medo de perder a bolsa e por isso votou em Dilma

Residente na comunidade do Sonhazão, dona Francisca Pereira da Costa, 58 anos, está contemplada pelo programa há mais de seis anos. É o típico do beneficiário que está dentro do padrão de normalidade, pois não tem renda e nem é aposentada, sendo dependente do programa para manter uma família inteira.

“Não fosse essa bolsa eu nem sei o que seria da gente”, confessa, para em seguida revelar que votou em Dilma com medo de perder a ajuda. “Diziam que se ela não fosse eleita o programa ia acabar, foi só o que a gente ouvia aqui pelas nossas redondezas durante a campanha eleitoral. Por isso, não apenas eu, mas toda minha família, inclusive meus filhos que moram em São Paulo votaram na Dilma”, afirmou.

PT admite influência dos programas sociais

O próprio PT em Água Nova admite que a influência do Bolsa Família foi decisiva para o município dar, proporcionalmente, a maior votação a Dilma no Rio Grande do Norte. “Não podemos negar o peso eleitoral do programa”, afirma a petista Rosineide Nascimento, que atribui também ao fato do Governo ter aberto universidades na região e escolas técnicas, o que motivou, no seu entender, o voto jovem.

O que Rosineide e seu marido, o blogueiro Li Dantas, também fundador do PT, não se convencem é da influência do coronel Iromar. “Até porque ele fez campanha para Marina no primeiro turno. Na eleição de 2010, Dilma teve aqui a maior votação do País. Isso é um reconhecimento aos efeitos dos programas gerais do Governo”, afirma Li.

Vereadora de oposição, Gildete do Nascimento (PP), professora da rede estadual, afirma que não viu, em nenhum momento, o grupo da prefeita fazer campanha para Dilma. “Quem fez Dilma aqui a mais votada foi o Bolsa Família. Basta você multiplicar por três os votos dos 542 contemplados que você chegará ao número total de votos que ela teve”, diz.


Dona Apolônia votou em Dilma, mas queria Eduardo

Dona do único restaurante da cidade, dona Apolônia, 66 anos, que não costuma se envolver em política, tem a mesma opinião dos petistas e da oposição. “Aqui, foi devolvida a Dilma o favor que ela faz a esse povo sofrido, que vive da ajuda da bolsa”, diz, adiantando que votou na presidente por falta de opção.

“Eu queria, na verdade, era poder ter votado em Eduardo. Achava ele lindo, afetuoso e transmitia uma alegria irradiante, além de nos passar muita confiança”, disse. Dona Apolônia ressalta que chorou a morte do ex-governador pernambucano como se tivesse perdido um filho. “Foi uma dor terrível, até hoje ainda choro. Era fã dele, quando via que a televisão ia trazer notícia dele eu corria para assistir”, destacou.

MaisPB/Blog do Magno Martins

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