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EM 1970

Morre sertanejo que fez dupla com Zezé di Camargo

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publicado em 22/09/2012 às 09h45

 O cantor Deoclides José da Silva, 63 anos, conhecido no meio sertanejo goiano como Neilton, foi enterrado no Cemitério Jardim da Paz, em Aparecida de Goiânia, na quinta-feira (20). Ele morreu um dia antes, após um ataque cardíaco, no Instituto de Urologia Sírio Libanês, no Setor Aeroporto, em Goiânia. Pouco conhecido pelos mais jovens, Neilton foi o segundo parceiro de Zezé di Camargo, 50 anos, com quem formou a dupla Neilton e Mirosmar – o verdadeiro nome de Zezé é Mirosmar José de Camargo. Eles começaram a parceria depois da morte de Emival, da dupla Camargo e Camarguinho, irmão de Zezé, na década de 1970.

Neilton era mineiro de Perdizes, mas vivia em Goiás há cerca de 40 anos. Ele teve quatros filhos, dois quando ainda era solteiro e outros dois quando se casou. Passou os últimos anos em Aparecida de Goiânia com a mulher e as duas filhas mais novas. Quando perguntada sobre a profissão do pai, uma das filhas do sertanejo, a advogada Janaine Borges da Cruz, 28 anos, é taxativa: ele era cantor. “Teve uma época em que ele até vendeu peixes e fez bicos para se sustentar, mas era cantor”, afirma. Neilton não fazia shows há algum tempo, mas, às vezes, participava de shows de amigos.

Ele também chegou a formar a dupla Neilton e Amarílio, falecido há dois anos. Eles gravaram apenas um CD. Neilton gravou ainda um CD solo “Cuida de você para mim”, com 12 músicas de Ney Nando, Antônio Bueno, Nilton Lamas, Itamaracá, Maria Zélia (esposa do cantor Soleny, da dupla Solevante e Soleny), Sandro Lúcio e José Domingues.

Talento

Neilton conheceu Zezé quando o atual parceiro de Luciano ainda era conhecido por Mirosmar e fazia a dupla Camargo e Camarguinho com o irmão Emival Camargo, que morreu ainda criança, aos 11 anos, em um acidente de carro no ano de 1975. “Meu pai ficou encantado com o talento dele”. Os dois se reencontraram depois da morte de Emival”, diz Janaine.

Na dupla Neilton e Mirosmar, Neilton fazia a segunda voz e tocava violão. Zezé di Camargo era a primeira voz e o seu instrumento era o acordeão. A diferença de idade entre os dois era de 13 anos. O pai de Zezé di Camargo e Luciano, Francisco de Camargo, ficou surpreso com a notícia e conversou com sobre a morte do artista. “Sou amigo da família. Acho esquisito ele ter morrido e não terem me avisado”, falou.

“Quando fez sete dias que o Emival morreu, nós fomos à sepultura dele e depois passamos no extinto programa do Coronel Hipopótamo [transmitido pela TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo em Goiás]. O Zezé pediu um acordeão para tocar e falou chorando. ‘Deus levou meu parceiro. Se eu achar um parceiro, vou cantar uma música em homenagem ao irmão. O Neilton estava no auditório e se ofereceu para cantar junto”, recorda-se Francisco de Camargo. No entanto, ele diz que não se lembra o nome dessa música.

De acordo com seu Francisco, os dois cantaram juntos por mais ou menos um ano, entre 1975 e 1976. Depois, a dupla se desfez. “O Neilton era muito alto e o Zezé pequeno”, afirmou. Seu Francisco disse que não houve brigas ou ressentimentos. “O Neilton era padrinho [de fogueira, uma espécie de batismo feito durante as festas juninas] do Zezé”.

Depois dessa experiência, Mirosmar adotou o nome de Zezé e passou a integrar o trio Caçulas do Brasil, formado por Zazá, Ataíde e Zezé. Eles chegaram a gravar um disco, mas se separaram. “Zazá e Zezé formaram uma dupla e chegaram a gravar três discos, mas depois se separaram”, disse. Seu Francisco confirmou que a dupla se desentendeu, mas que não houve brigas. Depois disso, Zezé cantou sozinho por um tempo até formar a dupla Zezé di Camargo e Luciano, com o irmão mais novo, Welson David, em 1991.
Zezé
Janaine comentou que a família perdeu o contato com Zezé di Camargo. Segundo ela, não faziam contato com seu Francisco há cerca de dois anos. “Ele anda sumido, mas o meu pai também sumiu. Me lembro do seu Chico ao longo da minha todinha, mas não conheço o Zezé. Sei que o meu pai esteve com ele poucos anos depois do sequestro do Wellington [irmão de Zezé, que foi sequestrado em 1999]”, conta.

O encontro aconteceu na fazenda de Zezé di Camargo.“O meu pai gostava muito do Zezé e o Zezé parecia gostar muito dele também. Não houve briga. O único problema do meu pai é que ele queria ter ficado mais tempo com ele, mas não havia ressentimento”, ressalta. Segundo a filha de Neilton, o pai chegou a ajudar a família do amigo quando passaram por necessidades financeiras. Ele também teria dado um acordeão para Zezé.

Anos depois, no final da década de 1990, foi a família de Neilton que enfrentou dificuldades financeiras. Janaine afirma que, embora nunca tivessem passado fome, os momentos foram difíceis. Faltava muita coisa e não havia dinheiro para comprar os livros necessários para ela que cursava o segundo grau.

A jovem conta que o Zezé di Camargo mandou um amigo contador junto com o Di Paullo e Paulino e um sobrinho dele para visitar Neilton. “Ele [o contador] me deu um livro. Uma época eles trouxeram um monte de comida para nós. Fizeram uma compra muito grande mesmo, mas não sei dizer se a ajuda veio do Zezé. Acho que foi o contador”.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa de Zezé di Camargo em busca de uma declaração sobre a morte do ex-parceiro e aguarda retorno.

Orgulho

Janaine afirma que depois do sequestro de Wellington, não ouviu mais falar do Zezé. “Até que ele levou o meu pai para a fazenda dele. Na época, o Zezé chegou a falar que ia ajudar o meu pai, mas depois eles não se viram mais. O meu pai também era um pouco orgulhoso. Não gostava de pedir as coisas”.
Nos últimos anos, a situação financeira da família melhorou depois que Neilton recebeu uma herança. “Ele usou o dinheiro para fazer uma pequena reforma na nossa casa e também construiu um barracão [casa pequena para alugar], que ajudava na renda da família”.

A filha de Neilton conta que o seu curso de direito foi financiado por um programa de apoio a estudantes e que ela ainda está pagando as parcelas. “O meu pai tinha muito orgulho do meu diploma e da minha carteirinha da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]”.

Passado

Janaine descreve o pai como um homem alegre, sorridente. Principalmente, se estivesse com um violão na mão. Para ela, ele tinha saudade do passado, mas não era melancólico. “Ele era um sonhador. Achava que tudo iria mudar para melhor”, conta.

Por outro lado, algumas vezes ele pensava que poderia ter se saído melhor na carreira musical. Ele tinha gravado um disco, mas quando as duplas sertanejas que ele conhecia em Goiânia começaram a estourar, ele estava trabalhando em Minas Gerais. “Ele tinha vontade de ser famoso, lembrava do passado com saudade, mas sempre com alegria”, ressalta a filha. Ela explica que o estilo musical do pai não era o sertanejo de raiz, mas uma espécie de bolerão, como o da música “Boate Azul”.

O cantor Mattão, 61 anos, que atualmente forma a dupla Mattão e Matheus com o primo do sertanejo Leonardo, é um antigo amigo de Neilton. Do tempo que o artista era parceiro de Zezé. Ele conta que era recém-chegado de Jataí e fazia parte de outra dupla sertaneja. Conheceu os dois no programa do Coronel Hipopota. “O Zezé era um menino e para tocar sanfona tinha de ficar sentado em cima de um tamburete. Já o Neilton, que tocava violão, já era um rapaz”, recorda-se.

Quem acompanhou de perto aquela época foi um dos amigos mais próximos de Neilton, o aposentado e fretista Zideni José da Silva, 74 anos, conhecido como Zé da Praça. Ele também já foi cantor sertanejo em uma época em que todos os amigos moravam no bairro Jardim América, em Goiânia, e moravam em uma república.

Segundo ele, o Zezé sempre teve uma estrela. “O irmão faleceu e ele começou a cantar com o Neilton. Aconteceu o acidente e o irmão faleceu. Ele ficou cantando sozinho e viu que não ia dar certo. Então, começou a cantar com o Neilton. Eles fizeram muito sucesso. Começaram a cantar no rádio e na televisão”, diz. De acordo com as lembranças de Zé da Praça, a dupla teria permanecido junta por mais de um ano.

“Sempre que eles saíam do show passavam aonde eu estava. Era comum irem até a minha casa e me acordar com uma serenata. E eu dizia: ‘gente vocês são bons demais da conta’. Eles faziam serenata para várias pessoas amigas. A alegria era total e, para retribuir, elas se levantavam e coavam café para eles”, relata.

Morte repentina

Segundo uma das filhas de Neilton, a advogada Janaine Borges da Cruz, 28 anos, a morte do pai foi repentina e surpreendeu a família. Ele adoeceu no sábado (15), mas pensou que fosse uma virose e deu sequência a sua rotina, inclusive saindo de casa. Como ainda não havia melhorado na segunda-feira (17), a mulher o levou à Unidade Básica de Saúde (UBS) do Setor Veiga Jardim, em Aparecida de Goiânia. Lá, recebeu o diagnóstico de suspeita de dengue, que ainda deveria ser confirmado por meio de exames, e foi mandado de volta para casa.

Neilton voltou ao posto de saúde na terça-feira (18). Por insistência da sua mulher, fizeram uma radiografia do tórax e constataram que ele estava com pneumonia. O casal permaneceu no lugar até ser encaminhado para internação em um hospital. “Detectaram um inchaço no coração dele. De madrugada, às 4h45 da manhã, ele teve um ataque cardíaco e morreu na frente da minha mãe”, conta a filha.

Janaine comentou que o pai sofria de doença de chagas, mas que até então não havia sido detectado inchaço em seu coração. “Nem a minha mãe que ficou o tempo todo com ele no hospital esperava que ele morresse”, comentou.
Amigos

O velório foi realizado na casa da família, no Setor Recanto dos Pássaros, em Aparecida de Goiânia. “Com o choque da notícia, não conseguimos avisar muita gente. Alguns amigos estão sendo informados hoje. Mesmo assim, a casa ficou repleta de amigos do meu pai. Muitos deles são artistas sertanejos”, emociona-se.

A despedida contou com a presença da família, de familiares de Minas Gerais, amigos próximos e nomes da velha guarda da música sertaneja goiana: Veloso (da dupla Veloso e Velosinho), Belchior Veloso, Cecília (da dupla Irmãs Freitas), André e Andrade, Di Paullo e Paulino, Nerildo e Nerivan dentre outros nomes. A despedida do artista, que trabalhou durante alguns anos como radialista na antiga Rádio Anhanguera AM, da Organização Jaime Câmara, também contou com a presença de profissionais do rádio.

“A família de Minas ficou impressionada. E às pessoas não estavam lá por constar, por mera formalidade. Elas estavam mesmo tristes e choravam. O mundo sertanejo perdeu uma pessoa muito amada. Pode até não ter sido muito famoso, mas era amado. E ele sabia disso e também amou muito os seus amigos”, conta a filha.

Janaine se lembra que o pai sempre demonstrou ter muito orgulho das amizades conquistadas e mantidas ao longo de 30, 40 anos. “Eu via o sorriso nos olhos dele quando falava com os amigos”, recorda-se.

G1

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