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Rômulo Oliveira

Bolsonaro, Ricardo, Lula: totens,tabus e excessos

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publicado em 09/12/2018 às 10h43
atualizado em 10/12/2018 às 08h11

Na tarde deste sábado, 8, aconteceu Primeira Cúpula Conservadora das Américas, o evento realizado em Foz do Iguaçú/PR teve entre os organizadores o deputado federal, Eduardo Bolsonaro, e reuniu liberais de 9 países com o objetivo de construir o que eles chamam de “um novo ambiente político, econômico e cultural no país”.

Um das palestras mais aguardadas foi a do filósofo Olavo de Carvalho, que participou através de videoconferência, dos Estados Unidos, onde vive. Olavo é tratado como o grande teórico desse movimento, seu livro de 2013 “O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota”, se tornou um guia simplista de como se contrapor ao discurso segmentado da esquerda. Despertando ao longo período eleitoral recente o interesse de uma parcela considerável da juventude brasileira para outros títulos, como “O Imbecil Coletivo”, paródia sobre o conceito de “intelectual coletivo” de Gramsci, que, segundo ele, estaria ligado à de desonestidade intelectual.

Na ocasião, o ex-astrólogo bradou sobre a importância de haver uma “reação” ao Foro de São Paulo – que seria a própria cúpula. E ainda nesta linha, mandou um recado para os políticos que foram eleitos na “esteira” de Jair Bolsonaro, e que estão, segundo ele, esquecendo que devem suas eleições ao presidente eleito, e não a si próprios. Bolsonaro participaria em outro momento do evento cunhando a pedra: “Ou mudamos o Brasil agora, ou o PT volta, volta com muito mais força do que tinha até o final do governo Dilma”. Olavo criou o totem que impôs o tabu.
O ultimato dado pelo guru ultraconservador do presidente eleito, me remeteu a entrevista concedida na última sexta, 7, pelo secretário de comunicação do governo Ricardo Coutinho, Luiz Torres, ao Programa Arapuan Verdade, da rádio homônima, logo após o anúncio dos nomes para o primeiro escalão do governador eleito, João Azevedo. As críticas feitas pela classe política e por setores da imprensa à permanência de 90% dos auxiliares do governo RC II, foram rebatidas pelo “ex” e futuro secretário de comunicação com o mesmo simplismo olaviano: “João foi eleito para dar continuidade ao governo de Ricardo, incluindo a equipe”.

Pragmático, o secretário deu a entender que a grande votação que o povo paraibano concedera a João se resumiu em apenas em manter a equipe e as obras de Ricardo. Bem, se não era passar tal impressão, o tom não o ajudou. Açodado, acabou passando (in)conscientemente para a opinião pública a ideia de que ali estava sendo gestado o governo Ricardo Coutinho III, e que, João, deveria se contentar em ser o político na história recente da Paraíba, que mais indicou secretários nas gestões do líder girassol. Pelo que dizem, foram 4 até aqui.

A fala do secretário destoou da pregação do atual governador sobre “O projeto”, para quem é maior do que as pessoas. A lógica de que a causa (que vale a luta) precede as personagens, não funciona com Ricardo, serve apenas como uma narrativa fluída para mascarar o óbvio: o seu personalismo. Dando a ele a dimensão de um totem e a necessidade da imposição de tatus. Na condição de porta-voz, Torres falou pelo totem e criou um tabu constrangedor para o governador eleito.

Em leitura, a princípio, endereçada aos antropólogos, Freud buscava analisar a gênese dos totens – símbolos sagrados e respeitados – e dos tabus – proibições – que cercam e cerceiam as liberdades individuais e coletivas de determinadas sociedades.

Verdade seja dita, não há pioneirismo de Bolsonaro, nem de Ricardo Coutinho neste tema. Direita e esquerda são ávidas em produzir totens e ditar os tatus o longo da História.

De um lado, Hitler, Mussolini, Franco. De outro, Lênin, Stalin, Fidel.

No Brasil lá de trás, Getúlio oscilou como totem nas duas frentes. No atual, o PT de Lula criou o mito em torno do líder (toten) perseguido. Mito frágil, diga-se de passagem. O ex-presidente que discursou a plenos pulmões, poucos antes de ser preso em abril deste ano, dizendo-se ser “não mais um homem, mas uma ideia”, não viu problema em descontruir a própria narrativa mítica com a chegada do período eleitoral; impondo como estratégia principal (tabu) do petismo até a undécima hora, sua candidatura natimorta. Ungindo a condição de candidato, Fernando Haddad, que na sequência, diante do desafio de disputar o segundo turno com Bolsonaro, acabou forçado, em razão da rejeição, a abdicar do conceito mântrico: “Eu sou Lula”.

O personalismo que historicamente adornou imperadores, monarcas e príncipes, nunca foi desprezado pela República não importando o espectro ideológico do político de plantão, só mudando o rosto de quem está frente de tudo e todos.

Só existe antipetismo com Bolsonaro; Lula é uma “Ideia” que só funciona se Lula tiver o comando. O “Projeto” só possui legitimidade se as decisões partirem de Ricardo.

É um erro crasso depositar em figuras totêmicas os destinos de todo um povo. É infantil, como a própria psicanálise freudiana sugere.

No caso específico do campo progressista, o erro está na grandeza das pautas sociais defendidas que exigem altivez e honestidade de quem às defende; qualidades que uma personagem forjada nos excessos “totêmicos” não possui, o que a torna refém das circunstâncias e propensa a queda. E é sempre bom lembrar que com a queda do totem, também caem os tabus.

A centro-esquerda e os progressistas brasileiros deveriam voltar ao divã para entender o tamanho do seu desgaste nos últimos anos. Terminada a terapia cognitiva, bom faria uma viagem de repouso a Portugal. O país, administrado pelo Partido Socialista, é uma ilha progressista de desenvolvimento em meio ao oceano conservador europeu, e pela primeira vez, desde a adesão ao euro, cresce acima da média da União Europeia. O cenário de bonança fora precedido, entretanto, por uma limpeza ética interna, iniciada após os escândalos de corrupção que desgastaram o partido e levaram a prisão o ex-primeiro ministro José Sócrates por fraude fiscal qualificada e lavagem de dinheiro.

Em Portugal, o princípio superou o príncipe. Por aqui, a reinvenção da centro-esquerda brasileira passa pela criação de novas referências, novos fronts de batalha, novos atores, novo discurso e, essencialmente, novas práticas.

O politicamente correto como tática de constrangimento já não serve mais e o efeito do personalismo político posto à frente da defesa de causas sociais foi devastador para os atores envolvidos atos de corrupção, mas, principalmente para as próprias causas. A credibilidade da sua narrativa fora abalada. Percebendo isso, a extrema direita foi buscar nas teses simplórias e questionáveis de Olavo as justificativas para o descomprometimento social deliberado. Ora, se a academia, a imprensa e as instituições estão repletas de esquerdistas desonestos – como se só houvesse bandido de esquerda, que o diga Maluff –, porque eu que não sou nem de esquerda, nem de direita devo creditá-las? Aqui está o ponto. Partindo dele, bastou utilizar criticar a maior crise econômica brasileira produzida no seio do governo Dilma e a corrupção petista, além das contradições do discurso oscilante do partido em querer deter a hegemonia, ao mesmo tempo, do governo, da cultura e da sociedade. Algo que já fora visto como uma dialética inteligível transformou-se, do dia para a noite, numa contradição pueril e em um perigo para a moral coletiva.

Eis a receita que ajudou a produzir e potencializar o maior movimento político-ideológico do Brasil atual: o antipetismo. A eleição de Bolsonaro nada mais foi do que o resultado prático disso.

O cenário é complexo para os que pensam por fora dessas caixas. E é por fora dos cadernos habituais da política que se deve buscar por referências. De pronto, me salta a lembrança um singelo poema do poeta mineiro radicado em São Paulo, Sérgio Vaz, que coordena a Cooperativa Cultural da Periferia, entidade que desenvolve um belo trabalho de inclusão social pela literatura:

Queria escrever
um poema sobre dias livres,
mas são tempos difíceis para a liberdade…

Até quem luta por ela
Quer ser dono de alguém.

Em verso, o poeta tece sua crítica: ninguém há de ser tutelado por quaisquer motivos e/ou razões. O comprometimento social, político e/ou cultural deve nascer da liberdade de uma consciência posta diante das mais diversas realidades e não dogmatizada por visões míopes de mundo… de nenhum dos lados.

O poema critica os excessos religiosos, políticos e ideológicos, jurídicos. Excessos são, em síntese, o que nos afastam da essência daquilo que acreditamos.

Quando não avaliamos os danos que os excessos podem custar a “causa”, acabamos gastando mais energia justificando-os do que buscando materializar a natureza das essências.

Que os velhos totens caiam por terra. Que ninguém ouse levantar novos.

MaisPB

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