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Protagonismo de JP frente à nebulosa expectativa nacional

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publicado em 18/11/2018 às 17h15
atualizado em 18/11/2018 às 14h30

Há cerca de um ano, João Pessoa foi reconhecida e anunciada pela UNESCO como “cidade criativa” na categoria artesanato e arte popular (“Crafts and Folk Art”), junto com Brasília (DF), na categoria design, e Paraty (RJ), na gastronomia – além de outras 61 cidades escolhidas no mundo.

Desde então, a capital paraibana aparece na linha de frente dos esforços da Rede de Cidades Criativas – criada em 2004 pela entidade internacional – para promover a inovação e a criatividade como motores essenciais para um desenvolvimento mais sustentável e inclusivo.

A partir de amanhã (segunda, 19) e até o dia 25 de novembro, a cidade sedia a 1ª edição da Feira Internacional de Economia Criativa, ação que compõe o Programa João Pessoa Cidade Criativa junto a UNESCO, uma iniciativa do SEBRAE e da Prefeitura Municipal de João Pessoa.

O evento será um dos de maiores relevância sobre Economia Criativa realizado no Brasil, e um ótimo momento para se refletir sobre políticas públicas para o setor, criação de um marco legal no âmbito municipal, consolidação de ambientes de negócios e investimentos públicos e privados em inovação.

Por economia criativa se entende os negócios que se originam de produtos ou serviços ligados à cultura, moda, design, música e artesanato, além de tecnologia e inovação.

No início do primeiro governo da presidente Dilma Rousself, o Ministério da Cultura, lançou o Plano Nacional de Economia Criativa, elaborado pela competente pesquisadora Cláudia Leitão. O trabalho foi descontinuado a partir do segundo mandato, mas deixou linhas norteadoras para o desenvolvimento do setor que foram abraçados em grande monta pelo SEBRAE e BNDES.

Essas linhas foram, minimamente, respeitadas após a ascensão de Michel Temer ao poder. Entretanto, a mudança na conjuntura política que se dará a partir de janeiro de 2019, com a chegada de Jair Bolsonaro ao governo, nos leva a refletir como atuar…

Outro dia, li entrevista a Folha de São Paulo, onde o ex-ministro da Fazenda do governo FHC, Armínio Fraga, demonstrava preocupação com as possíveis implicações econômicas oriundas do conservadorismo cultural apresentado pelo presidente eleito e sua equipe econômica. Ora, se Fraga, um dos principais defensores da agenda neoliberal está preocupado com a agenda econômica de Bolsonaro, é porque o que vem não será fácil para quem atua neste setor da economia.

A preocupação não é para menos, já que a base da nossa cadeia produtiva cultural é a nossa diversidade.

A experiência brasileira em economia criativa – diferente da experiência norte-americana e inglesa, que se constituem apenas em conglomerados industriais – se retroalimenta da diversidade que aparece presente na realidade cultural espalhada por todo país. Tomemos como exemplo é a associação da produção da diversidade cultural com o turismo. Imaginem o impacto econômico negativo se tivermos descontinuidade de incentivo públicos e privados ao carnaval do Rio de Janeiro ou de Pernambuco, ainda, ao Círio de Nazaré em Belém do Pará e ao São João de Campina Grande. Seria o caos.

Outro exemplo de risco para o setor: uma provável descontinuidade no segmento audiovisual, o que representaria um impacto na ordem de 0,54% do PIB (Produto Interno Bruto) de 2017, volume maior do que a indústria farmacêutica nacional.

Frise-se, que a leitura que faço não é uma torcida de que o pior que possa acontecer. Mas, os ataques retóricos do presidente eleito à diversidade cultural, às questões de raça e gênero – que nascem do seu preconceito ideológico – levantam dúvidas sobre os investimentos que seu governo fará (ou não) em um setor que só faz crescer, mesmo em tempos de crise.

O Altas Econômico da Cultura Brasileira, divulgado esse ano pelo Ministério da Cultura, estima que esse setor represente 2,6% do PIB brasileiro e que teve crescimento acumulado de quase 70% nos últimos 10 anos.

Para os próximos anos, a estimativa é de crescimento desse nicho da economia brasileira está acima da média mundial até 2021 — deve crescer 4,6%, enquanto em outros países a expectativa é 4,2%, segundo estudo da consultoria PwC. Essa pesquisa leva em conta segmentos como mídia e entretenimento, listando desde atividades tradicionais (televisão, cinema e música), até as consideradas de última geração, como os games e o grafite.

Se as startups e as empresas de tecnologia forem consideradas na dimensão da economia criativa, o volume de produção já ultrapassa a da construção civil. E poderiam ser ainda maiores, não fosse à dificuldade em mensurar números devido ao grande contingente de empreendedores não estão regularizados, como MEI (Micro Empreendedor Individual), por exemplo.

Diante deste cenário nebuloso de expectativas para os próximos anos, avalio que a cidade de João Pessoa está mais do que qualificada para protagonizar esse debate junto ao governo federal.

Vou além…

Percebo que a consolidação de João Pessoa como Cidade Criativa, talvez seja, um dos principais legados que a administração do prefeito Luciano Cartaxo poderá deixar. Somado, evidentemente, as ações de sustentabilidade que serão implementadas a partir do Programa Cidades Emergentes Sustentáveis do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), prestes a liberar o montante de 300 milhões de dólares para investimentos. Listo ainda, as ações de revitalização do Centro Histórico, como a Villa Sanhauá e o Conventinho, além da implantação do EXTREMOTEC, o polo tecnológico de João Pessoa. Tudo isso, levando em conta, que essas ações se enlaçam com a lógica de valoração do intangível presente na economia criativa.

João Pessoa não é uma ilha, mas diante das indefinições econômicas no âmbito federal, não é difícil afirmar que neste “recanto bonito do Brasil, sorri um cidade criativa e sustentável…”.

O nosso desafio é mantê-la assim.

*Advogado, ex-secretário do Orçamento Democrático. Graduando em Economia, pesquisador das relações entre a Economia Criativa e o Direito Econômico.

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