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1ª brasileira

Ex-moradora de rua de SP ganha medalha de ouro no Gay Games

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publicado em 10/08/2018 às 17h34

Com duas medalhas de ouro no Gay Games de Paris e em busca de uma terceira na meia maratona deste sábado (11), a ex-moradora de rua Ana Luiza dos Anjos Garcez já fez história no atletismo brasileiro. Aos 55 anos, ela se tornou a primeira atleta do Brasil a subir no lugar mais alto do pódio da competição.

Recém-nascida, ela foi abandonada numa caixa de sapatos, ao lado da irmã gêmea. Recuperada por desconhecidos, cresceu num convento em São Paulo, antes de ser encaminhada para trabalhar como doméstica.

Aos 16 anos, e ainda sem receber salário, fugiu levando três malas com pertences da patroa, que distribuiu a desconhecidos na Praça da República, com medo de ser descoberta. Na rua, passou 20 anos, onde roubou e experimentou quase todas as drogas. Mas, acima de tudo, Ana Luiza dos Anjos Garcez correu. Correu tanto, que descobriu, ao correr da polícia, que poderia correr para sempre, em melhores condições.

A revelação veio assistindo ao filme Carruagens de Fogo, cheirando cola, com um cobertor, no chão de uma galeria, em São Paulo. “Vendo aquelas pessoas correndo vestidas de branco na praia, com aquela música, fiquei pensando que eu também poderia correr”, lembra Ana Luiza dos Anjos Garcez, também conhecida como “Animal”.

“Eu morava no [viaduto do] Minhocão. Estava deitada, e de repente essa música começou a vir na minha cabeça”, lembra. Nesta época, a “Tia Punk”, como era conhecida dos mendigos, viciados e moradores de rua do Centro de São Paulo, nem sonhava que seria uma atleta respeitada. “A gente ia comprar saquinho de cola no Brás, não havia pedra [de crack] nessa época”, relata.

“Tia Punk, você não vai conseguir nunca”

“Eu estava com o Dracolino, um outro morador de rua que era meu amigo e já morreu, e disse que ia começar a correr. Ele disse, ‘imagina Tia Punk, você nunca vai conseguir’. Dracolino morreu, como todos os daquela época. Eu continuo correndo”, afirma a atleta. Se ela já se considera uma vencedora? “Sim, mas não por ganhar medalhas, mas por ter saído das drogas, da rua. Tem que ter muita disciplina”, diz Garcez.

Para realizar seu sonho, a antiga Tia Punk distribuiu na época uma “missão” aos colegas da rua: “você vai roubar shorts, você camisa, você meias, vou provar para vocês que consigo”, lembra. “Corri, levei seis horas, era uma maratona, eu não sabia, quase morri, mas fui até o fim, ganhei a medalha”, conta.

“Cheirei cocaína, heroína, benzina, tudo que tem ‘ina’. Fumei maconha, me piquei na veia. Éter. Quase que fui para o buraco, já não estava aguentando mais. Depois de uma paralisia parcial do lado esquerdo, que aconteceu durante uma crise de abstinência, decidi que não queria mais saber disso”, relata Garcez, sentada na varanda de seu quarto de hotel, no 12° distrito de Paris.

“A assistente social me levou para o hospital, em São Paulo. Eu não queria sair de lá, porque dormia, tomava banho, comia. Vi muita morte na minha frente, dívidas de droga. Corria muito da polícia”, lembra “Animal”.

Em Paris, no entanto, o passado triste e tumultuado não parece ter pesado sobre os ombros de Ana Luiza: ela foi a primeira atleta brasileira a conquistar a medalha de ouro em duas provas do Gay Games 2018: a de 5km e a de 10km. Falta a meia maratona neste sábado (11), de 21 km, prova que ela “gosta mais do que todas”.

E a maratona, de 42 km? “Não gosto de jeito nenhum, é um desgaste, nunca gostei”, diz Ana, que mora no Ginásio do Ibirapuera, depois de um convite feito pelo secretário de Esportes do estado de São Paulo, Fausto Camunha. A atleta brasileira conta que participa da 10ª edição dos Gay Games de Paris, embora não seja lésbica.

“Sou simpatizante. Alguns de meus melhores amigos com quem morei na rua são gays, e vejo bastante a discriminação contra eles”, diz. “Trabalhava na [casa noturna gay] Nostro Mundo, em São Paulo, eu amo esse mundo”, afirma Ana Luiza. “Quem fala mal dos gays é pior do que eles, é enrustido”, pontua.

G1

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