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Odilon Fernandes - advogado, escritor, professor e procurador federal aposentado.

Como nos filmes

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publicado em 04/08/2017 às 13h30

Eu morava em Malta, cidadezinha localizada no semi-árido do interior da Paraíba, quando todos nós recebemos a notícia de que a pequena cidade receberia um cinema ambulante.

Foi aos onze anos de idade que tive o primeiro contato com o mundo cinematográfico. Na noite em que se instalou o cinema, foi exibido um filme francês. Eu e toda a minha família, devidamente paramentados para a ocasião, nos dirigimos ao local da atração. Cada um com seu tamborete em mãos (pequeno banco para nos sentar) e ingressos comprados, aguardávamos ansiosamente pelo início da sessão.

Na projeção que marcou a minha infância e da qual me lembro até os dias de hoje, fiquei deslumbrado especialmente com a cena de um jantar à francesa, formal por completo. Assistia vidrado àquela cerimônia em que o garçom servia o vinho em uma taça e, noutra, água. Encantou-me indescritivelmente, assistir ao gesto do protagonista que, ao lado de sua bela noiva, levantava uma das taças, movimentava-a circularmente por algumas vezes e a levava até o nariz, para sentir o aroma do vinho com nítido prazer. Após isso, tornava a taça à mesa e pedia que o garçom prosseguisse a servir sua taça, enquanto levava outra à boca e sorvia um gole de água.

Terminada a projeção, tal cena jamais me fugiu à memória! Desde então, passei a sonhar com o dia em que vivenciaria e simularia aquele episódio tal qual o ator.

Decorridos vários anos, já morando na Capital da Paraíba, conheci Miriam, minha mulher, nos enamoramos e, algum tempo depois, fomos passear em São Paulo. Lá morava um casal de parentes de Miriam que, sabendo de nossa visita à grande cidade, nos ofereceram um jantar em sua casa. Aceitamos o convite e fomos! Meus olhos brilharam e meu coração acelerou quando avistei a mesa pronta para nos receber: para minha surpresa e deslumbre, pasmem, era um jantar à francesa! Com muita cautela, sentei à mesa e observei cada detalhe ali exposto. Até que fui tomado por êxtase, quando a copeira serviu-me às duas taças que se encontravam ao lado do prato. Estaria eu vivendo aquele ritual com o qual eu sonhei por tantos anos?

Profundamente emocionado, senti que estava a reproduzir a cena cinematográfica da minha infância! Tal qual o ator francês, peguei uma das taças, suspendi movimentando-a circularmente e levei-a em direção às minhas narinas. Senti aquele aroma com o mesmo prazer que assisti ao ator sentir, comportando-me como quem estava a verificar a nobre essência milenar daquela bebida. Tornei a taça à mesa e, com a cabeça, sinalizei positivamente à copeira para que a completasse, tal qual o refinado personagem cinematográfico.

Ainda extasiado, nas nuvens e por completo realizado, sem que esperasse, Miriam deu um leve e carinhoso beliscão no meu braço, à medida que me sussurrava: “cheirastes a água!”.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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