João Pessoa, 01 de agosto de 2016 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora

Professor de História pela UFPB e analista político

Os caciques de Cida Ramos

Comentários: 0
publicado em 01/08/2016 às 12h35

Procurando reduzir o impacto político do anúncio do acordo entre PSD, PSDB e PMDB para apoiar a reeleição de Luciano Cartaxo em João Pessoa, Cida Ramos disse no fim de semana que “os caciques da política se juntam em acordão. Eu me uno ao povo.”

A tal aliança com o “povo” é um clichê tão surrado quanto perseguição de rua em filme de ação hollywoodiano.

E essa crítica é tão inútil que não resiste a um breve recuo no tempo para escutar e ler o que a candidata do PSB dizia sobre o PMDB e José Maranhão, defendendo com ardor uma aliança com o partido.

Acordão só é ruim, pelo visto, quando é em torno de outras candidaturas.

E o discurso de Cida Ramos também não se sustenta em pé após uma rápida olhadela pela coligação e os apoios que a candidata do PSB “conquistou” até agora.

A começar pelo sempre prestigiado Dem, de Efraim Morais, o pai e o filho – e filho sucedendo pai na política, por si só, é o sinal mais canhestro do caciquismo na política.

Quer mais exemplos? O apoio de Lúcia Braga e Wilson Braga – marido e mulher – são outros dois “caciques” que pontuam no palanque de Cida Ramos.

Mesmo já em acentuada decadência, é bom não esquecer que o “braguismo” foi durante mais de uma década na política paraibana (1983 a 1994) a expressão mais límpida não apenas do “caciquismo”, mas também do atraso e do conservadorismo.

Aliás, é bom que se note, tanto os Moraes quanto os Braga tem a mesma origem, o mesmo “DNA” de direita: a antiga Arena, o partido da ditadura, hoje Dem e PP depois da separação de 1984-85 que deu origem ao PFL.

Ao contrário dos caciques de Cartaxo – Maranhão e Cássio, − esses também em franca decadência, cuja origem é o PMDB, o partido que fez oposição à ditadura.

Isso sem contar figuras de menor expressão política que se espalham pelos dois palanques e que são, considerando os espaços em que atuam, “caciques” de tribos de menor expressão eleitoral e política.

Além disso, convenhamos, não faz lá muito sentido tornar o debate sobre alianças com “caciques políticos” o centro do discurso do PSB.

Se esse discurso foi o único que restou aos “socialistas” para desqualificar a aliança de Luciano Cartaxo com Cássio e Maranhão, vai ficar parecendo que o PSB age como aquele jogador que reclama do granado ao perder um gol, depois de ter feito outros jogando no mesmo terreno.

Porque, assim como Cartaxo faz hoje, RC já teve seus dias de paquera, namorico, noivado e casamento com os caciques Cássio Cunha Lima e José Maranhão.

Em 2010, todo mundo se lembra, RC se uniu a Cássio para derrotar José Maranhão. E quatro anos depois, RC paquerou até casar-se com José Maranhão, com as bênçãos de Michel Temer, agora para derrotar Cássio Cunha Lima.

Aliás, o “casamento” com Cássio, como já analisamos por aqui, foi desfeito porque o tucano preferiu voar sem as asas de RC e não por qualquer incompatibilidade política, ideológica ou de ordem coronelística.

Se hoje, como vingança e sobrevivência, restou aos dois − Cássio e Maranhão − o aconchego de Luciano Cartaxo é porque já provaram da relação política com RC e certamente não gostaram.

O que não apenas ajudar a demonstrar, com essas reafirmações, a decadência tanto do “cassismo” e quanto do “maranhismo” – isso ainda existe? − cada vez mais reduzidos à condição de forças auxiliares das lideranças em ascensão de RC e Luciano Cartaxo.

Eis a lógica implacável do pragmatismo político que RC prova hoje: você não pode criticar no adversário aquilo que você praticou e continua a praticar.

Portanto, quando o assunto é aliança com caciques da política paraibana, Luciano Cartaxo tem um professor muito bem conceituado: Ricardo Coutinho.

Os caciques de Cartaxo

E tendo Luciano origem e trajetória semelhantes as de RC, fica muito mais difícil imputar-lhe a condição de “político tradicional”, que é o que deseja fazer Cida Ramos e o que fez Coutinho tanto em 2010 como em 2014.

Tenho repetido que, se foi fácil a RC estampar na cara de Cássio e José Maranhão, respectivamente, essas pechas tão depreciativas da política atual – as de “políticos tradicionais” adeptos da “velha política”, esses termos que definem de forma muito imprecisa o que pretendem designar – RC não terá tanta facilidade assim para atribuir a Cartaxo essa condição.

Isso porque estamos numa transição ao mesmo tempo de práticas políticas e administrativas e intergeracional. O eleitor sabe cada vez mais o perfil que ele quer ver governando sua cidade, seu estado e seu país.

E isso o ajuda a estabelecer um recorte, uma separação, ou seja, a definir primeiro em quem ele nãovai votar. E o critério da longevidade política e familiar passa a ser fundamental para atingir esse objetivo, não as alianças, vistas como próprias da política, um erro, claro, que um dia será corrigido e expressará um sinal de amadurecimento político de nossa sociedade, o que já começamos a perceber depois dos embates a respeito do impeachment de Dilma Rousseff.

A experiência política e administrativa na prefeitura traz muitos indícios a respeito do perfil que Luciano Cartaxo foi assumindo ao longo desses últimos três anos e meio, quando ele teve de dar expressão política a si próprio, seja através do estabelecimento das prioridades de seu governo, das alianças que fez no parlamento e da tomada de decisões políticas estratégicas, como foi a de sair do PT para um partido conservador como o PSD.

Tudo isso mostrou por inteiro quem é Cartaxo como político e como administrador: alguém que dá importância ZERO ao debate de ideias e, portanto, às diferenças que deve estabelecer com seus adversários. Mas isso, acredito eu, ainda é insuficiente para que o eleitor o inclua como adepto da “velha política”.

Enfim, tudo isso pode designá-lo como um político pragmático ao extremo e em deslocamento para a direita, mas nunca como “tradicional”, no sentido que o termo adquiriu na política paraibana, porque isso representaria estabelecer um falso sinal de igualdade entre ser tradicional e ser de direita.

Ou ser “republicano”, para usar um termo que RC gosta muita, e ser de esquerda, termo, aliás, que ele sempre prefere evitar. Essas questões estão muito mais relacionadas com o amadurecimento político da sociedade do que com as escolhas ideológicas dos seus agentes políticos.

Tasso Jereissati, por exemplo, foi considerado durante muito tempo – desde a primeira vez em que governou o Ceará, a partir de 1987 – um político “moderno”, anticoronelista, sem nunca ter sido de esquerda.

Ciro Gomes, que sucedeu a liderança de Jereissati no Ceará, por outro lado, é da mesma safra de Tasso, mas com perfil de esquerda.

Ambos são políticos “modernos” e anteciparam no Nordeste a ascensão de uma nova geração de lideranças com perfis mais identificados com o das novas classes médias urbanas em ascensão, de variadas origens.

O PMDB com os Cunha Lima e depois com Maranhão, e sem lideranças políticas gestadas no meio empresarial, como foi o caso do Ceará, cumpriu essa transição aqui na Paraíba, que se concluiu apenas depois da vitória de RC, em 2010, e durante seu governo.

E já se vão quase seis anos, uma eternidade na política, desde que RC venceu a eleição de 2010, condição fundante para a consolidação de sua liderança, que tem um poder simbólico de largo alcance para o eleitorado.

Por isso, posso afirmar com alguma convicção, que já superamos essa fase. Os fantasmas que representaram o retorno ao maranhismo e ao cassismo já não assustam tanto. Como eu já disse, os dois são apenas isso, hoje: linhas auxiliares.

E RC pode ser derrotado em 2016 e 2018 pela incompreensão do fenômeno político e social que o projetou como a maior liderança atual da Paraíba.

E muita coisa mudou desde então, como as sucessivas eleições demonstram, sendo 2014 o exemplo eloquente, quando RC venceu em quase total isolamento.

Mesmo com o inútil apoio Dem.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

Leia Também