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Jornalista desde 2007 pela UFPB. Filho de Marizópolis, Sertão da Paraíba. Colunista, apresentador de rádio e TV. Contato com a Coluna: [email protected]

O que eu vi de Agra

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publicado em 12/12/2014 às 21h05

Era um sábado, lá pelas 11 matinais. Rua da República. Adentra na pequena loja de chapéus um senhor, de meia idade, passos pausados, olhar terno e sem pressa. Passa a vista nos variados exemplares expostos. Vê um, observa outro, até achar seu preferido. Pechincha e consegue baixar o preço do produto. Lá pras tantas, o dono tem um estalo. “O senhor é o ex-prefeito Luciano Agra”! A resposta? Um espontâneo e contido sorriso.

Bem do lado, quietinho, assistia tudo. Na verdade, queria saber até que ponto ele passaria despercebido, afinal, ali, naquele modesto comércio de artesanato, com sua jaqueta e chapéu inseparável, estava um dos maiores pensadores e gestores de João Pessoa, quase no anonimato, sem aparato e sem afetações. O efêmero poder não havia lhe tirado a humildade e simplicidade, marcas de sua personalidade.

Noutra ocasião, tive o privilégio de ouvi-lo longamente. Naquela noite, numa visita que me fez no Hospital da Unimed/João Pessoa, Agra se mostrou bem mais, talvez porque estivéssemos de igual pra igual. Eu, no leito do hospital, e ele, visitante no sofá. Deitou a falar sobre infância, em Ingá, e adolescência, em Campina Grande.

Caprichou na narrativa de causos de bravura protagonizados por gente dos arredores da fazenda de seu pai em Ingá do Bacamarte, como ele gostava de chamar sua terra. Riu de si próprio e das peripécias que aprontou na juventude nas ruas campinenses, entre elas, a de se esconder na torre da Igreja, sem perigo de ser alcançado pelos adultos nada satisfeitos com suas peraltices juvenis.

Revelou-se naquela curta passagem um amante do prazer de contar histórias e rir delas. Apesar da timidez, Agra era afeito ao riso e ao bom humor, tanto que mantinha uma rica coleção pessoal de réplicas de palhaços, de todos os tipos e cores. Cuidava de cada uma peça como objeto de estima e apreço.

Não por acaso, encerrou sua luta pela vida no Dia Universal do Palhaço, sua fonte de inspiração para encarar a existência e as adversidades com sorrisos nos lábios e um coração leve, cheio de uma pureza quase inocente. Na despedida, o destino sorriu para Luciano Agra, 62 anos conservando a alma de menino.

Sinais do… – Além da morte no Dia do Palhaço, o sepultamento na data lembrada por décadas como o Dia do Arquiteto tem uma simbologia marcante no adeus de sua jornada na terra.

Destino – Somente após a morte (2012) de Oscar Niemeyer, de quem Agra era admirador, o Dia do Arquiteto foi transferido para 15 de dezembro, aniversário do ‘criador’ de Brasília.

Depoimentos pessoais – Poucos instantes após a morte, Roseana Meira, ex-mulher do arquiteto, desabafou com amigos no Hospital sobre o significado de Agra na sua vida. “Eu era uma ‘menina’. Foram muitas anos de convivência. Antes de tudo, ele foi um pai”, contou. “Ele me ensinou o sentido da palavra humildade”, postou Bárbara, a filha única de 22 anos.

Final – Até as 16h de ontem, horário da visita, o quadro clínico de Agra estava estabilizado. Depois, apresentou um sangramento pelo nariz, que durou horas, sem contenção.

Fortaleza – Espírita, Zélia, irmã mais velha de Agra, radicada no Rio de Janeiro, manteve-se serena após a notícia, confortou os familiares e prometeu fazer o trabalho dele não morrer.

Roupa – O terno e a gravata que vestiram o ex-prefeito pessoense no sepultamento foram comprados em Brasília. Peças de sua preferência recorrente no uso em eventos.

Amizade – Do lado de fora do velório, um homem de preto e chapéu chorava. Era Vavá da Luz, de Ingá. “Eu perdi um irmão”, soluçou o amigo de infância, que Agra tanto prezava.

Cantinho – Sempre que podia, fora da rotina, Agra se recolhia em sua casa de praia em Barra de Camaratuba, refúgio predileto para caminhadas solitárias e mergulhando no mar.

História – Rompido com Agra desde 2012, o governador Ricardo Coutinho lembrou a convivência de 30 anos: “Nos conhecemos antes da política. A política foi uma conseqüência”.

Perda – Do prefeito de João Pessoa e sucessor, Luciano Cartaxo (PT): “A cidade perde um cidadão de bem, uma pessoa humana, realmente, na expressão da palavra”.

Vazio – “É um espaço que fica em aberto que não será preenchido porque tem as pessoas que de fato são insubstituíveis por sua trajetória de vida”. Do senador Cássio Cunha Lima.

Batalha – Na despedida, o vice-prefeito Nonato Bandeira (PPS) homenageou a odisséia de Agra pela vida. “Ele queria muito viver. Ele lutou até o final. Ele custou a se entregar”.

Olhar – “Aprendi com ele a ver a vida com mais doçura”, disse Wellitânia Freitas, companheira de Agra, ressaltando a natureza mansa e o jeito sereno e generoso de ser do ex-prefeito.

PINGO QUENTE“Luciano sempre vai ser um pedaço da gente”. De Thais Lopes, moradora do Colinas do Sul, em depoimento de gratidão pelas obras de escola, casas, praça e pavimentação no bairro.

*Reprodução do Correio da Paraíba
 

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