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Projeto em risco

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publicado em 27/07/2015 às 14h58

Há vinte anos, tomo diariamente medicamentos para manter minha condição física – de vitaminas a controladores de pressão arterial e colesterol.

É uma rotina com custos emocionais e financeiros.

E também de fé. Pois, de pílula em pílula, julgo estar empreendendo o projeto mais importante da minha vida: prorrogar meu prazo de validade.

Nunca, em todos esses anos, imaginei que meu projeto poderia estar em risco.

Descubro agora, porém, que há uma grande chance de ter sido sistematicamente enganado ao longo dessas duas décadas.

O alerta foi dado semana passada por ninguém menos que o promotor do consumidor, Glauberto Bezerra. Em suas investigações, ele constatou que 30% dos medicamentos expostos nas farmácias paraibanas são falsificados.

Diante desse número assustador, fiz minha própria conta. E ela é preocupante.

Se a cada dez medicamentos ingeridos, três deles eram falsos, estou morto. Com o pé (toc toc, isola) na cova rasa da negligência.

Pois deixei de tomar os remédios que precisava para não morrer por pelo menos seis anos.

Sobrevivi. Mas quem vai restituir a redução da minha validade?

Pelo andar da carruagem tresloucada dessa nação pouco vigilante, ninguém.

Aliás, muita gente fez pouco caso dos dados alarmantes revelados pelo doutor Glauberto.

Não há reação. Não assistimos, sequer, a indignação dos que foram enganados.

Paira no ar uma angustiante passividade.

Seja por parte dos “clientes” dos placebos; seja por parte das autoridades.

Não se tem registro de farmácias autuadas e lacradas, expostas à execração pública, por estar vendendo remédios falsificados. Tampouco existem registros de prisões e lacres nas “indústrias” que se movimentam no submundo farmacêutico.

E não estamos falando de fábricas de pé de escada. É preciso operar com sofisticação para embalar este engodo e fazê-los parecerem críveis.

As vezes lamento – e só as vezes mesmo – não estar no Congresso Nacional. Se lá estivesse, daria entrada imediata em projeto de lei para tipificar essas falsificações como crime hediondo.

É de fato um crime com requintes de crueldade a venda de placebos a pessoas doentes – muitas delas empreendendo esforço hercúleo, reunindo os últimos tostões, para garantir a medicação que pode significar a distância entre a vida e a morte.

O Ministério Público fez a sua parte ao denunciar o esquema. Mas o problema exige mais.

Exige, por exemplo, ações policiais. E a reação do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Saúde.

Não é possível que continuemos, todos, imersos nessa alienação.

Pois, com nossa passividade, estamos subscrevendo milhares (milhões) de atestados de óbitos.

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